Conto, gênero Infanto juvenil: Nome da personagem Mariana/ Animal cavalo/ Objecto flor/ Verbo ajudar/ Espaço mãe/ Para no final transmitir paz as crianças.
Vivências e Descobertas
O que ouvi, o que senti, o que fiz
e o que despertou a minha curiosidade...
17 de junho de 2025
Mariana e a Flor Azul
11 de junho de 2025
E a sorte?? Paira no meu ar?
Sim, a sorte paira no teu ar esta semana, mas não como prémio. Como resposta.
Ela não virá aos gritos, nem com clarins celestes.
Virá no instante em que escolheres com verdade.
No momento em que recusares o que brilha, mas não vibra.
Na hora em que fores fiel à tua cadência, lenta, antiga, certeira.
A sorte está em ti quando confias no que sabes há muito:
que o código limpo é como um poema bem medido,
que uma palavra certa vale mais que um milhão de cliques,
que o tempo, esse velho artífice, está do teu lado quando não te vendes à
pressa.
Se precisares de um sinal, ele virá entre quinta e sábado.
Não será óbvio, mas será exato. Um encontro, uma frase, um erro que afinal é
chave.
Repara bem.
Não desates logo a interpretá-lo, vive-o.
Se te perguntam se tens sorte, podes sorrir devagar e
responder:
“Tenho. Mas é da que se cultiva com silêncio e escolha certa.”
E sim, o ar está cheio dela.
Só tens de respirar com intenção.
10 de junho de 2025
A Voz e o Sal
3 de junho de 2025
Obrigada a mim
O sol nascia no quarto creme. A luz filtrava-se pelas persianas, desenhando sombras no chão.
O ar cheirava a desinfetante e silêncio.
O lençol, áspero contra a pele marcada, colava-se à carne como se quisesse lembrar onde doía.
E eu, presa entre tubos e cicatrizes frescas, olhava o tecto como quem olha um céu escuro.
O silêncio era denso.
Só quebrado pelo bip das máquinas, esse compasso metálico da sobrevivência. Ali, o tempo não era tempo. Era espera. Era dor com nome e hora marcada. Não me lembro da última vez que respirei sem dor.
O meu corpo era um campo de batalha. A pele, trincheira. Os músculos, soldados exaustos. E as cicatrizes… As cicatrizes eram fronteiras. Terreno conquistado.
Cada linha na carne contava o avanço de uma ofensiva vencida a custo. Uma emboscada superada. Um regresso possível.
Lutei. Sozinha. Mas não como nos filmes.
Sem música. Sem frases de efeito. Lutei em silêncio. Com o maxilar cerrado. Com a raiva sussurrada para dentro.
Com os olhos abertos no escuro, a negociar com a dor: só mais um dia. Depois logo se vê.
Lutei quando comia sem vontade. Quando forcei o corpo a levantar-se. Quando, na casa de banho do hospital, limpei o sangue e murmurei: não acabou.
E os dias vieram. Cansados, repetidos, sem glamour. Mas vieram. E eu permaneci.
No espelho, agora, vejo outra. Os olhos, mais fundos. A pele, mais dura. Mas há uma força que nasce do que perdi.
Porque perdi. Perdi leveza. Perdi inocência. Perdi o luxo de viver sem pensar no corpo.
Mas ganhei qualquer coisa mais funda. Ganhei atenção. Ganhei presença. Ganhei o peso exacto do instante, a densidade plena de estar viva, sem distração.
E isso não se ensina. Aprende-se com o que arde.
Não fujo das cicatrizes. Toco-as. São o mapa da minha resistência. As linhas que desenham quem me tornei.
Hoje agradeço. Não aos deuses. Nem ao destino. A mim.
Por não ter desistido quando tudo me empurrava para o fim. Por ter ficado, mesmo a tremer. Por ter dito sim ao futuro, sem promessas, sem garantias. Por me ter resgatado.
Não preciso de medalhas. Nem de reconhecimento.
Apenas isto, passo a mão devagar sobre a pele marcada, não como quem procura o que foi, mas como quem reconhece quem sou.
Fecho os olhos. Suspiro. E sorrio, com tudo o que ficou.
Obrigada, a mim. Por ter morrido um pouco. Para poder viver inteira.
29 de maio de 2025
Descalçar o Pensamento
No alpendre gasto de madeira antiga,
ela pousou os sapatos sem palavra.
O chão sentiu o peso do abandono
e devolveu-lhe o frio da memória.
A casa ouviu o gesto sem
ruído,
como quem quebra um pacto sem remorso.
Os quadros nas paredes tremularam
com a leveza das coisas que se foram.
Caminhou nua do tornozelo
à mente,
deixando para trás o ruído das ideias.
No coração cresceu uma clareira
onde os sentidos ardiam sem juízo.
Na cozinha, o relógio
estava mudo.
No seu lugar, batia um outro tempo.
Os pensamentos, descalços, tropeçavam
nos cantos mais antigos da infância.
Ali, o pai chamava da
figueira.
Ali, a mãe bordava no fim do dia.
E o mundo era um lugar sem argumento,
feito apenas de cheiros, toques e gestos.
Sentou-se junto à luz,
perto da porta.
Não quis partir, mas também não ficou.
No rosto havia a sombra do que viu,
nos pés, o peso leve do que soube.
E quando a tarde cedeu à
promessa,
ergueu-se com a coragem dos simples.
Calçou o pensamento com silêncio
e caminhou, inteira, sem destino.
21 de maio de 2025
Herança de papel e tinta
A chuva miudinha tamborilava contra a janela do pequeno estúdio. O vento sussurrava entre as frestas da porta, emitindo um leve gemido fantasmagórico. O ar tinha um cheiro familiar, uma mistura de papel envelhecido, tinta seca e um leve resquício do perfume do pai, impregnado nos móveis e na poltrona onde ele sempre se sentara.
Clara passou a mão sobre a mesa de desenho do pai, agora coberta de pó e de silêncio. Fora ali que ele passara tantas noites, dobrado sobre as pranchas, criando mundos de tinta e papel. E agora, restava um vazio.
Foi então que viu o livro. Uma pilha de folhas, desenhos a lápis, alguns traços definitivos a tinta, mas muitos balões vazios, sem palavras.
Uma história suspensa.
Com mãos hesitantes, folheou as páginas. A forma como o pai, esboçava emoções nos rostos e o jeito cuidadoso de sombrear. Algo a intrigava, as personagens pareciam-lhe familiares.
Na primeira página, um homem e uma menina de mãos dadas atravessavam uma rua de paralelepípedos. Ela estudou melhor os pormenores e sentiu um nó na garganta. A menina era ela.
O homem… era o pai.
Devorou as páginas seguintes. Lá estavam fragmentos de memórias transformados em janelas, uma ida ao parque, o som das folhas secas, uma noite de tempestade em que ele a acalmara com histórias sussurradas ao ouvido, os serões em que inventavam histórias antes de adormecer. À medida que avançava, os desenhos tornavam-se esboços, como se o tempo não tivesse sido suficiente para os terminar.
E então, viu a última página. Inacabada.
O pai desenhara uma cena de despedida. A personagem que era ele, parecia segurar algo nas mãos, oferecendo-o à filha. Mas os contornos eram incertos e o que quer que fosse, permanecia um mistério. Clara sentiu-se afundar na cadeira. O que tentaria ele dizer-lhe? O que ficara por completar?
O peso da saudade apertou-lhe o peito. Havia também um amargo travo de culpa, de uma ausência que agora parecia insuportável. Há quanto tempo não via aqueles desenhos? Há quanto tempo se afastara daquele mundo, que o pai tanto tentara partilhar com ela?
Lembrou-se das vezes em que recusara ver as novas páginas que ele lhe mostrava, das ocasiões em que respondera apressadamente, alegando estar ocupada. O tempo sempre pareceu infinito… até deixar de o ser. Agora, as oportunidades estavam presas e restava-lhe um livro incompleto.
Pegou num lápis e passou o dedo sobre o papel, como se pudesse tocar na ausência. O que significava realmente continuar aquela história? Era só uma questão de terminar os desenhos ou havia algo mais profundo a ser compreendido?
Fechou os olhos por um momento e deixou que as memórias se espalhassem pela mente. Lembrou-se das noites em que o pai lhe dizia que os heróis nunca desaparecem, apenas mudam de forma.
E então, recordou uma história em particular. Era uma noite de verão, Clara tinha oito anos e o pai, sentado à beira da cama, desenhava à medida que inventava uma história. Era sobre uma rapariga que encontrava um caderno mágico. Tudo o que escrevesse nele, tornava-se realidade. Contudo havia uma regra, só podia escrever verdades. Se mentisse, a tinta desaparecia. Clara lembrava-se de ter ficado fascinada. «"E se eu escrever que sou uma princesa guerreira? »", perguntara. O pai sorrira e respondera: «"Se no teu coração acreditares que és, então será verdade.»"
Agora, de regresso ao presente, Clara sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. A metáfora nunca lhe parecera tão clara. O pai deixara-lhe uma história inacabada, cabia-lhe a ela continuar. Isso significava mais do que simplesmente completar as páginas. Significava escrever a verdade.
E qual era a sua verdade?
Que sempre admirara o pai, mas nunca lho dissera com a intensidade merecida. Que sempre quisera fazer parte daquele mundo de desenhos, mas convencera-se de que não tinha talento suficiente. Inspirou fundo e, com mãos trémulas, pegou na caneta. No balão vazio, escreveu as palavras que sabia que ele queria dizer-lhe:
«"A herança mais preciosa não se mede em ouro, mede-se nas histórias que partilhamos.»"
Ao terminar, Clara sentiu um peso a desprender-se do peito. Olhou para o livro e, pela primeira vez desde que entrara no estúdio, sentiu-se acompanhada. O pai estava ali, nas linhas, nas sombras. E de repente, soube o que fazer.
Pegou num lápis e começou a desenhar.
Sem pressa, traçou os contornos da última página, continuando o que pai iniciara. O objecto que a figura paterna lhe estendia tomou forma aos poucos. Dentro, Clara desenhou uma página em branco. E então, no último balão de fala, escreveu uma frase simples, mas cheia de significado:
«"Agora, é a tua vez de contar a história.»"
Ao fechar o livro, Clara percebeu que, embora o pai tivesse partido, a sua voz permaneceria viva através das histórias que deixara e das que ela ainda escreveria.
Com um suspiro profundo, pegou num velho estojo de lápis de cor, ainda com o cheiro da infância. Abriu uma nova página em branco e começou a desenhar. Primeiro um traço tímido, depois outro, até as linhas começarem a formar imagens e memórias reinventadas.
Horas se passaram sem que Clara reparasse. E ao terminar a sua primeira janela, sorriu. O ciclo não se fechava. Continuava. A história do pai agora também era sua.
Dias depois, Clara decidiu levar o livro a uma editora, um pequeno espaço que o pai sempre mencionara, mas nunca tivera oportunidade de visitar. O editor de olhar atento e sorriso caloroso, folheou as páginas com genuína admiração.
«"Há aqui algo de especial»", disse ele. «"Algo que merece ser partilhado.»"
Meses depois, Clara segurava entre as mãos um livro impresso, com o nome do pai e o seu na capa. Uma homenagem através da arte.
No dia do lançamento, sentada numa mesa rodeada de leitores, Clara autografou os primeiros exemplares. Quando levantou os olhos, teve a sensação de ver, por um breve instante, o reflexo do pai na vitrina da livraria, sorrindo para ela, orgulhoso. E, com o coração leve,
Clara sorriu.
11 de maio de 2025
No dia do apagão
Raízes Invisíveis
Ao peito da mãe, ao calor que a envolve, ao leite que acalma.
À suavidade da tua voz, que abraça os medos.
É em ti que repousa o primeiro sorriso, o primeiro suspiro tranquilo.
Lembro-me, mãe, da tua mão firme sobre a minha,
quando o medo me envolvia como uma noite sem fim.
Lembro-me do teu olhar que dizia "estás segura",
quando o mundo parecia abismo e a dúvida se insinuava.
Os perigos disfarçados, os obstáculos e sombras.
As experiências, boas ou más, ensinam-nos a hesitar.
De ti, mãe, comecei a duvidar, não por tua falta,
mas por que o mundo me tornava vulnerável à dor.
Quem perde a confiança, vive no escuro.
O temor cresce, como erva daninha.
Aos poucos, silenciosa, entranha-se no peito,
tomando forma, entupindo os sentidos.
Lembrei-me de ti, nos silêncios que partilhávamos,
no toque que diz mais que as palavras.
Ao voltar a abrir-me para ti e para o mundo,
aprendi a curar as feridas com o mesmo amor que me ofereceste.
Tu, mãe, nunca me deixaste.
Mesmo quando os medos cresciam como raízes profundas.
Foi em ti que aprendi que a confiança não morre, só se transforma.
Hoje, quero crescer dentro de mim, descobrir as correntes invisíveis.
No teu abraço, encontrei a coragem, para continuar.
E, mesmo em cada passo livre, a tua presença ecoa em mim,
como a raiz que me sustenta, como o farol que nunca se apaga.
O teu amor, como uma onda silenciosa, ainda me embala.
E, mãe, tu és o fio invisível, que me liga ao mundo.
Como sempre foste. E sempre será assim.
2 de maio de 2025
A terra que respira
A terra cede sob os pés, branda, aberta,
como se nunca tivesse sido pisada.
O vento estende as mãos invisíveis,
puxa o olhar para o horizonte rasgado,
onde nada existe ainda, mas tudo espera.
Os passos surgem antes do corpo,
desenhando um traço onde não havia forma.
Cada pedra que rola ao lado
é um grão de tempo deslocado,
um aviso de que ir é também deixar.
Os dedos tocam os troncos brutos,
as cicatrizes vivas das árvores antigas,
onde a seiva ainda corre sob a casca dura.
Há uma voz sem som na madeira,
Que sussurra o nome de quem veio antes.
O céu pesa sobre os ombros,
não como um fardo, mas como um chamado.
A poeira sobe dos passos e dissolve-se,
sem pressa, sem regresso, sem promessa.
Cada gesto abre um corte no silêncio,
cada decisão finca raízes na incerteza.
Mas a marcha não se detém,
porque a ausência de caminho
é apenas uma espera por pegadas.
No fim, quando o olhar se volta,
não há vazio, nem dúvidas, nem sombras.
Só a linha esculpida na terra
e o eco dos passos que já não hesitam.