A fogueira dança selvagem, rugindo entre os troncos secos, labaredas lambendo o céu escuro. Florestas, outrora verdes, tornam-se cinzas e desertas, silêncios quebrados por estalos ardentes. Animais correm com olhos assustados, buscando refúgio entre pedras quentes. Casas antigas de telhados incendiados, memórias consumidas pelo calor voraz. Fumaça espessa envolve montanhas, carregando cheiro acre e lembranças de verões antigos. Ventos traidores espalham fagulhas, pincelando destruição em cada encosta e vale. Homens e mulheres correm: baldes, mangueiras, coragem em mãos trémulas. No horizonte, o sol luta para aparecer, apagado pelo manto alaranjado. Cada brasa leva fragmentos de contos, sonhos, histórias ancestrais. A natureza refaz-se lentamente, promissora, regenerando-se após a chama. (Dinâmica: 111 palavras, começa com A e acaba com a, sem verbo ter e ser)
No bairro antigo, de ruas estreitas e fachadas descascadas, Sérgio era apenas o Pintor da Rua das Pombas. Não para vender, mas para manter-se inteiro, sem as telas, sentia-se apenas um vulto à deriva, alguém que caminhava sem deixar pegadas. Todas as manhãs, antes que o sol atravessasse as cortinas de renda do estúdio, ele acordava com um som que parecia vir de outro século, não o canto dos galos nem o motor dos barcos, mas o uivo distante de uma velha sirene . Não era só um ruído, era grave e lento, que marcava a pulsação de um tempo paralelo, como se chamasse não para o trabalho, mas para o que restava da vida. Ouvia-a como quem recebe um recado discreto: “Ainda há algo a criar, antes que o dia te roube.” O bairro parecia ouvir com ele. As janelas fechadas estremeciam ligeiramente, as calçadas prendiam o ar e até os gatos ficavam imóveis, como se também esperassem. Havia dias em que o som se perdia no vento e nesses dias as cores do mundo pareciam-lhe mais pálidas, como se algu...