O último comboio chegou ao cais deserto como um suspiro metálico, arfando vapor pelas gretas enferrujadas. As lâmpadas, embaciadas de pó, vacilavam, e cada clarão parecia denunciar algo que se movia nas sombras.
Marta esperava, a mala pequena pendida da mão. Apertava a pega até os dedos lhe doerem. O peso parecia excessivo para tão pouca roupa; por vezes, jurava senti-la oscilar, como se tivesse vida própria.
O bilhete no bolso trazia uma única palavra impressa: Chegada.
O apito ecoou. Um frio húmido subiu-lhe pelas pernas. As portas da carruagem abriram-se num estertor de ferro. Dentro, bancos gastos, riscados por unhas invisíveis. Silêncio. Cheiro a terra molhada.
Sentou-se. As janelas mostravam campos alagados onde presenças imóveis acompanhavam o comboio com olhos que não existiam. Casas sem portas, torres tortas contra um céu sem estrelas. Em cada paragem, o monstro de ferro libertava vapor e sombras subiam a bordo — contornos de fumo, imóveis, todos voltados para ela.
O peso daquelas presenças esmagava-lhe o peito. Marta tentou erguer-se. As pernas não obedeceram. Tentou falar. A voz afogou-se antes de nascer. A mala já não estava.
No seu lugar, um vulto infantil, calçando os mesmos sapatos gastos que usara em criança, sorria-lhe sem boca.
A carruagem sacudiu-se com violência. Um letreiro iluminado piscou: Partida. As portas abriram-se para um túnel que não era túnel, apenas ausência. As sombras saíram em uníssono. O vulto estendeu-lhe a mão.
Marta recuou, mas o comboio retomou a marcha, agora sem destino. Olhou pela janela: na beira de pedra, a plataforma estava cheia de rostos iguais ao seu, todos a acenarem, todos a chamarem-na sem voz.
Num último clarão, a verdade revelou-se: nunca houvera chegada, apenas a eterna repetição da partida.
E, ao longe, outra estação deserta esperava. Como sempre.
(Dinâmica - Via do medo da Fabrica do Terror sessões de Setembro)
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