O vento quente que soprava do sul trazia o cheiro a especiarias e mar, mas no campo português, o ar sabia apenas a ferro e suor. O acampamento estendia-se como um animal agachado, feito de tendas, lanças e cavalos impacientes. Um crepúsculo tingia o céu de púrpura e ouro, refletindo-se nos elmos e nas cotas de malha dos homens que afiavam espadas e rezavam em voz baixa.
Afonso Henriques observava-os em silêncio. Desde a alvorada que sentia aquela inquietação no peito, não de medo, porque o receio era um luxo de homens fracos, mas algo mais profundo, um pressentimento de que aquela noite ficaria gravada na pedra da história.
Virou-se para Pedro Pais da Maia, que surgira à entrada da tenda, o rosto endurecido pelo cansaço e pela expectativa.
— O que dizem os batedores?
Pedro hesitou um instante, depois deu um passo à frente.
— Os mouros esperam um cerco longo. Têm mantimentos para meses e reforçaram os portões com ferro. Há patrulhas a cada duas horas e os caldeirões de azeite já estão nas torres.
Afonso Henriques não desviou o olhar do seu capitão.
— E a sul?
— Muro alto, mas menos guardado. Se atacarmos a norte, como eles esperam, podemos escalar por ali.
O rei fechou os punhos. Sentia o peso das batalhas passadas nos ossos, mas a mente permanecia afiada como a lâmina da sua espada. Não podia recuar nem hesitar. Alcácer do Sal era um espinho cravado na carne do seu reino e arrancá-lo significava abrir caminho para o futuro.
— Fingimos um assalto ao portão norte. Usamos isso para atrair as forças deles. Mas os nossos melhores homens escalam os muros a sul. Antes do nascer do sol, Alcácer do Sal será nossa.
Pedro Pais assentiu. Não havia nada mais a dizer.
Afonso Henriques permaneceu de pé, fitando a cidade. As muralhas erguiam-se contra o céu escuro, desafiadoras. Os seus dedos percorreram o cabo da espada, sentindo a textura familiar do punho de couro.
— Que Deus nos guie — murmurou. ….. Até 1000 palavras.