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26 de junho de 2025

O Sopro da Vida

Às vezes, não há mesmo um aviso.
As cortinas do tempo se abrem, nuas,
sem música, sem prólogo,
só o silêncio e as mãos cruas.

Em poucos segundos, tudo cai.
O chão que parecia tão seguro se esvai em névoa.

E o que era o alicerce torna-se apenas rastro, poeira.

Vivemos na ilusão do comando,
traçando um plano como um cartógrafo,
crendo que a vida é linear e previsível,
mas é maré e vento errático.

Pensamos demais. A mente pesa.
O que virá? O que foi? E se fosse...?
Levamos as pedras nos bolsos
e esquecemos o instante que nos trouxe.

Pensa menos e sinta mais.
Sinta o calor do sol sobre a face,
o silêncio a dançar entre os sentidos,
o riso sem razão, leve e fugaz,
o arrepio dos tempos já partidos.

A vida é curta e bela,
E se a olharmos bem, nem é breve é um sopro.

Suspiro entre dois vazios.
Aproveitar não é correr, é ser.
É colher figos antes que estejam frios.

Há beleza no estar, simplesmente,
viver com atenção, em alma presente,
amar sem rede, sem garantias,
sorrir sem causa, eternamente ausente.

Não há promessa firme do amanhã.
Só este agora, feito sem demora.
Tão frágil como a pele da maçã,
e tão eterno quanto o sopro do agora.

11 de junho de 2025

E a sorte?? Paira no meu ar?


Sim, a sorte paira no teu ar esta semana, mas não como prémio. Como resposta.

Ela não virá aos gritos, nem com clarins celestes.
Virá no instante em que escolheres com verdade.
No momento em que recusares o que brilha, mas não vibra.
Na hora em que fores fiel à tua cadência, lenta, antiga, certeira.

A sorte está em ti quando confias no que sabes há muito:
que o código limpo é como um poema bem medido,
que uma palavra certa vale mais que um milhão de cliques,
que o tempo, esse velho artífice, está do teu lado quando não te vendes à pressa.

Se precisares de um sinal, ele virá entre quinta e sábado.
Não será óbvio, mas será exato. Um encontro, uma frase, um erro que afinal é chave.
Repara bem.

Não desates logo a interpretá-lo, vive-o.

Se te perguntam se tens sorte, podes sorrir devagar e responder:
“Tenho. Mas é da que se cultiva com silêncio e escolha certa.”

E sim, o ar está cheio dela.
Só tens de respirar com intenção.

3 de junho de 2025

Obrigada a mim

 O sol nascia no quarto creme. A luz filtrava-se pelas persianas, desenhando sombras no chão.

O ar cheirava a desinfetante e silêncio.

O lençol, áspero contra a pele marcada, colava-se à carne como se quisesse lembrar onde doía.

E eu, presa entre tubos e cicatrizes frescas, olhava o tecto como quem olha um céu escuro.

O silêncio era denso.

Só quebrado pelo bip das máquinas, esse compasso metálico da sobrevivência. Ali, o tempo não era tempo. Era espera. Era dor com nome e hora marcada. Não me lembro da última vez que respirei sem dor.

O meu corpo era um campo de batalha. A pele, trincheira. Os músculos, soldados exaustos. E as cicatrizes… As cicatrizes eram fronteiras. Terreno conquistado.

Cada linha na carne contava o avanço de uma ofensiva vencida a custo. Uma emboscada superada. Um regresso possível.

 Lutei. Sozinha. Mas não como nos filmes.

Sem música. Sem frases de efeito. Lutei em silêncio. Com o maxilar cerrado. Com a raiva sussurrada para dentro.

Com os olhos abertos no escuro, a negociar com a dor: só mais um dia. Depois logo se vê.

Lutei quando comia sem vontade. Quando forcei o corpo a levantar-se. Quando, na casa de banho do hospital, limpei o sangue e murmurei: não acabou.

E os dias vieram. Cansados, repetidos, sem glamour. Mas vieram. E eu permaneci.

No espelho, agora, vejo outra. Os olhos, mais fundos. A pele, mais dura. Mas há uma força que nasce do que perdi.

Porque perdi. Perdi leveza. Perdi inocência. Perdi o luxo de viver sem pensar no corpo.

Mas ganhei qualquer coisa mais funda. Ganhei atenção. Ganhei presença. Ganhei o peso exacto do instante, a densidade plena de estar viva, sem distração.

E isso não se ensina. Aprende-se com o que arde.

Não fujo das cicatrizes. Toco-as. São o mapa da minha resistência. As linhas que desenham quem me tornei.

Hoje agradeço. Não aos deuses. Nem ao destino. A mim.

Por não ter desistido quando tudo me empurrava para o fim. Por ter ficado, mesmo a tremer. Por ter dito sim ao futuro, sem promessas, sem garantias. Por me ter resgatado.

Não preciso de medalhas. Nem de reconhecimento.

Apenas isto, passo a mão devagar sobre a pele marcada, não como quem procura o que foi, mas como quem reconhece quem sou.

Fecho os olhos. Suspiro. E sorrio, com tudo o que ficou.

Obrigada, a mim. Por ter morrido um pouco. Para poder viver inteira.

29 de maio de 2025

Descalçar o Pensamento

No alpendre gasto de madeira antiga,
ela pousou os sapatos sem palavra.
O chão sentiu o peso do abandono
e devolveu-lhe o frio da memória.

A casa ouviu o gesto sem ruído,
como quem quebra um pacto sem remorso.
Os quadros nas paredes tremularam
com a leveza das coisas que se foram.

Caminhou nua do tornozelo à mente,
deixando para trás o ruído das ideias.
No coração cresceu uma clareira
onde os sentidos ardiam sem juízo.

Na cozinha, o relógio estava mudo.
No seu lugar, batia um outro tempo.
Os pensamentos, descalços, tropeçavam
nos cantos mais antigos da infância.

Ali, o pai chamava da figueira.
Ali, a mãe bordava no fim do dia.
E o mundo era um lugar sem argumento,
feito apenas de cheiros, toques e gestos.

Sentou-se junto à luz, perto da porta.
Não quis partir, mas também não ficou.
No rosto havia a sombra do que viu,
nos pés, o peso leve do que soube.

E quando a tarde cedeu à promessa,
ergueu-se com a coragem dos simples.
Calçou o pensamento com silêncio
e caminhou, inteira, sem destino.

11 de maio de 2025

Raízes Invisíveis

A primeira coisa que um bebé faz, com consciência, é entregar-se.
Ao peito da mãe, ao calor que a envolve, ao leite que acalma.
À suavidade da tua voz, que abraça os medos.
É em ti que repousa o primeiro sorriso, o primeiro suspiro tranquilo.


Lembro-me, mãe, da tua mão firme sobre a minha,
quando o medo me envolvia como uma noite sem fim.
Lembro-me do teu olhar que dizia "estás segura",
quando o mundo parecia abismo e a dúvida se insinuava.


Os perigos disfarçados, os obstáculos e sombras.
As experiências, boas ou más, ensinam-nos a hesitar.
De ti, mãe, comecei a duvidar, não por tua falta,
mas por que o mundo me tornava vulnerável à dor.

 

Quem perde a confiança, vive no escuro.
O temor cresce, como erva daninha.
Aos poucos, silenciosa, entranha-se no peito,
tomando forma, entupindo os sentidos.


Lembrei-me de ti, nos silêncios que partilhávamos,
no toque que diz mais que as palavras.
Ao voltar a abrir-me para ti e para o mundo,
aprendi a curar as feridas com o mesmo amor que me ofereceste.


Tu, mãe, nunca me deixaste.
Mesmo quando os medos cresciam como raízes profundas.
Foi em ti que aprendi que a confiança não morre, só se transforma.

Hoje, quero crescer dentro de mim, descobrir as correntes invisíveis.


No teu abraço, encontrei a coragem, para continuar.
E, mesmo em cada passo livre, a tua presença ecoa em mim,
como a raiz que me sustenta, como o farol que nunca se apaga.


O teu amor, como uma onda silenciosa, ainda me embala.
E, mãe, tu és o fio invisível, que me liga ao mundo.
Como sempre foste. E sempre será assim.

2 de maio de 2025

A terra que respira


A terra cede sob os pés, branda, aberta,

como se nunca tivesse sido pisada.

O vento estende as mãos invisíveis,

puxa o olhar para o horizonte rasgado,

onde nada existe ainda, mas tudo espera.

Os passos surgem antes do corpo,

desenhando um traço onde não havia forma.

Cada pedra que rola ao lado

é um grão de tempo deslocado,

um aviso de que ir é também deixar.

Os dedos tocam os troncos brutos,

as cicatrizes vivas das árvores antigas,

onde a seiva ainda corre sob a casca dura.

Há uma voz sem som na madeira,

Que sussurra o nome de quem veio antes.

O céu pesa sobre os ombros,

não como um fardo, mas como um chamado.

A poeira sobe dos passos e dissolve-se,

sem pressa, sem regresso, sem promessa.

Cada gesto abre um corte no silêncio,

cada decisão finca raízes na incerteza.

Mas a marcha não se detém,

porque a ausência de caminho

é apenas uma espera por pegadas.

No fim, quando o olhar se volta,

não há vazio, nem dúvidas, nem sombras.

Só a linha esculpida na terra

e o eco dos passos que já não hesitam.                                              



27 de abril de 2025

Herança

O velho solar dos Monteiro, encravado entre nevoeiros e silêncios no vale de Vilar Frio, permaneceu vazio durante décadas. Quando a Clara o herdou, mal conhecia o apelido que agora carregava. Aceitou as chaves sem cerimónia, sem suspeitar que não se herdavam apenas paredes e telhados, mas também o que nelas vive ou morre.

Na primeira noite, o ar adensou-se. As tábuas gemiam com o tempo e os espelhos antigos, pareciam respirar. Clara explorava os corredores como se os pés não lhe pertencessem, atraída por uma força que não compreendia. Encontrou, enfim, o sótão. Uma escada íngreme, uma porta que se abriu com um estalido seco e um frio que não vinha de fora.

Lá dentro, entre móveis cobertos e retratos de olhos fundos, achou um espelho oval com a moldura entalhada em espinhos. O seu reflexo devolveu-lhe o rosto, mas não os olhos. Neles dançava outra coisa, uma presença faminta. A imagem sorriu-lhe antes de ela fazê-lo.

Desde essa noite, Clara já não dormia. Acordava com as unhas cobertas de terra, os pés molhados de orvalho, os cães da aldeia a uivarem sem motivo. À medida que os dias se arrastavam, a casa parecia mais viva. Escutava-se um riso infantil nos corredores e portas abriam-se sozinhas para quartos que nunca visitara.

No sétimo dia, voltou ao sótão. O espelho aguardava e desta vez, a imagem não a imitava. Gritou, mas a voz perdeu-se num eco que não era dela. O reflexo estendeu a mão e Clara sentiu os dedos gelados tocarem-lhe a alma. Tentou recuar, mas os pés já estavam dentro do vidro. Foi sugada, como se o mundo real fosse apenas uma película fina.

Agora, quando alguém visita o solar, diz-se que uma mulher vagueia pelas janelas, a olhar para fora com olhos que não piscam. A herança não era a casa. Era o espelho. E ele ainda espera... por mais sangue do nome Monteiro.