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31 de julho de 2025

Quem ateia fogo, que sinta o peso da enxada

 Minha opinião estruturada com sangue quente

Num país onde as chamas já parecem uma estação do ano, não basta mais contar os hectares ardidos como se fossem apenas estatística. Portugal arde — outra vez — e arde por várias mãos: pelas do descuido, pela seca impiedosa, mas também, e com frequência assustadora, pela mão criminosa de quem risca o fósforo e vira costas.

Dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas apontam que entre 20% a 35% dos incêndios têm origem intencional. Contudo
, são estes que destroem mais — não só território, mas tempo, memórias, e sobretudo, vidas. Em 2023, 84% da área ardida foi resultado direto de fogos postos. O crime, neste caso, não é só fogo: é tragédia multiplicada.

E o que acontece a quem é apanhado?

A resposta oficial é: cadeia. Três a dez anos, podendo ir além se houver agravantes. Mas na prática, há uma sensação de impunidade difusa. Muitos processos não vão além da investigação; os que chegam a tribunal são, por vezes, reduzidos a penas suspensas. E os que são presos, entram num sistema que, para alguns, mais parece retiro: cama feita, três refeições por dia, roupa lavada. A floresta perde tudo; o incendiário perde apenas a liberdade — e nem sempre.

Surge então uma ideia que, sendo antiga, carrega a força da justiça natural:

E se os incendiários fossem obrigados a participar na reconstrução daquilo que queimaram?
E se limpassem mato, carregassem mangueiras, desentupissem valas, ajudassem os bombeiros — não em combate direto, mas em esforço real?

Não como castigo humilhante, mas como reparação. Que sintam, com o corpo inteiro, o peso do que é tentar salvar o que eles próprios destruíram. Que conheçam o cansaço de quem sobe a serra de botas encharcadas, com 40 graus nas costas e uma pá nas mãos. Justiça que não toca o corpo e não pesa na consciência é apenas papel com carimbo.

Sabemos que a Constituição não permite colocar reclusos em risco — e bem. Mas isso não impede um Estado com vontade de criar programas de trabalho florestal obrigatório para condenados por incêndio: limpeza preventiva, reflorestação, sensibilização nas escolas e aldeias. Obrigar a ouvir o choro de quem perdeu a casa pode ser mais eficaz do que anos de silêncio em cela fechada.

Portugal é um país de memória curta. Todos os anos o fogo nos visita, e todos os anos reagimos como se fosse surpresa. Talvez porque nunca exigimos o bastante de quem o ateia.
Talvez porque o medo de parecer duros nos impede de sermos justos.
Mas há uma verdade antiga que resiste ao fumo:

Quem queima a terra, deve sentir-lhe o peso.
Quem acende, que ajude a apagar.
Quem destrói, que construa.

Porque só assim a justiça deixa de ser abstracta e se torna como a cinza real, palpável, irrecusável.

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