Avançar para o conteúdo principal

Fazer catorze anos

É estar entre duas margens: uma já conhecida, a infância que se despede devagar, e outra que ainda assusta, a juventude que se anuncia com promessas e dúvidas.

É sentir o corpo crescer antes de a alma estar pronta.

É olhar-se ao espelho e perceber que o rosto muda, mas os olhos continuam à procura do mesmo abrigo.

O tempo começa a correr de outra forma: mais veloz, mais exigente.

Já não basta sonhar, é preciso escolher, decidir e errar.

 As vozes dos adultos soam mais distantes, e o coração pede liberdade, mas teme o que ela traz.

Há um certo encanto em fazer catorze anos: o mundo parece mais largo, mais profundo, mais intenso.

As amizades ganham peso de eternidade, os amores nascem num olhar e morrem num silêncio.

Tudo é exagerado: a alegria, a dor, o riso e a lágrima.

Mas também há um despertar: a consciência de que o tempo não volta, que crescer é aprender a deixar ir.

É começar a caminhar sozinho, com o medo de um lado e a esperança do outro, mantendo o equilíbrio entre o que já partiu e o que ainda está por vir.

No fundo, fazer catorze anos é o primeiro ensaio da vida adulta, ainda com o cheiro da infância, mas já com o gosto do futuro.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fala

Na aldeia engolida pela névoa, ninguém falava depois do pôr do sol. Dizia-se que as palavras, libertas no ar frio, ganhavam corpo e voltavam famintas a procurar quem as soltou. Helena não acreditava. O pai ensinara-lhe a chamar o vento com o nome das coisas perdidas, a sombra de um cão, o riso da mãe, o som das campainhas ao longe. Às vezes parecia ouvir resposta. Nessa noite, cansada do medo dos outros, subiu à colina e gritou o nome dele. O chamamento regressou, denso, como se tivesse atravessado a terra húmida. — Helena. Não era eco. Era retorno. O ar tremeu. Da bruma ergueu-se algo que lembrava uma boca feita de sombra e vapor. O sussurro enchia-lhe o peito, puxava-lhe o fôlego para fora. — Deixa-me entrar. As sílabas tocaram-lhe a pele, quentes, viscosas. Escorriam-lhe pelo pescoço, entravam-lhe nos ouvidos, serpentinas de som à procura de abrigo. Tentou falar, mas o ar já não lhe pertencia. Na manhã seguinte, encontraram-na junto ao poço, imóvel. Os olhos, fixos na água, ...