Publicação: Revista Ofélia
A casa dormia de olhos
fechados.
O soalho guardava o frio dos passos.
As paredes, húmidas de murmúrios,
respiravam o sal das histórias caladas.
Lá fora, o mundo
estendia-se imóvel,
um campo aberto à espera do tempo.
As espigas curvavam-se sem vento,
como se escutassem um segredo antigo.
Uma silhueta avançava
devagar,
feita de neblina e retorno.
Não era sombra nem carne,
mas o eco de algo por nascer.
Nos braços, trazia o
corpo do sonho,
ainda quente, ainda a tremer,
como um pássaro indeciso
entre o voo e a petrificação.
O chão reconhecia-lhe o
peso,
a memória de passos por vir.
Mas o sonho começava a fixar-se
e no contorno, ardia a dúvida.
Seria milagre ou perda?
Se se tornasse real,
perder-se-ia a chama.
A casa estremeceu no
soalho.
Veio um cheiro a laranja e terra molhada.
As janelas abriram-se devagar,
como pulmões a reaprender o ar.
No rosto da silhueta, um
traço de luz
o breve milagre entre o antes e o depois.
O campo reteve a respiração.
O sonho partiu, inteiro, sem rastro
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