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Mensagens

Quem ateia fogo, que sinta o peso da enxada

 Minha o pinião estruturada com sangue quente. Num país onde as chamas já parecem uma estação do ano, não basta mais contar os hectares ardidos como se fossem apenas estatística. Portugal arde — outra vez — e arde por várias mãos: pelas do descuido, pela seca impiedosa, mas também, e com frequência assustadora, pela mão criminosa de quem risca o fósforo e vira costas . Dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas apontam que entre 20% a 35% dos incêndios têm origem intencional . Contudo , são estes que destroem mais — não só território, mas tempo, memórias, e sobretudo, vidas. Em 2023, 84% da área ardida foi resultado direto de fogos postos . O crime, neste caso, não é só fogo: é tragédia multiplicada. E o que acontece a quem é apanhado? A resposta oficial é: cadeia. Três a dez anos, podendo ir além se houver agravantes. Mas na prática, há uma sensação de impunidade difusa . Muitos processos não vão além da investigação; os que chegam a tribunal são, por vezes,...

O Cavalo de Sal e a Flor Azul

Publicação: Clube dos Writers, Redes Sociais. Mariana acordou antes de Sol nascer. O vento sacudia as persianas do quarto e o rugir das ondas chegava-lhe como um bater de tambores antigos. Levantou-se devagar, sentindo o soalho frio nos pés. Espreitou pela janela e viu o oceano estender-se até ao horizonte, com véus brancos de espuma a dançar à superfície. Uma inquietação apertava-lhe o peito. Desde pequena, as águas fascinavam-na e assustavam-na em partes iguais. Gostava de as ouvir, de ver as vagas enrolarem-se e rebentarem, mas temia a sua imensidão, aonde se escondem segredos difíceis para uma criança entender. Nessa madrugada, porém, tudo parecia diferente. O oceano respirava mais depressa e o vento trazia um cheiro a sal e mistério. Sem dizer nada a ninguém, vestiu o casaco, calçou as botas e saiu para a praia. A areia fria e húmida, colava-se às solas como lama. O céu clareava num azul desm aiado, mas a superfície líquida mantinha-s...

Um, dois, três... Macaquinho do Chinês!

A tarde vinha morna, quase triste, daquelas em que até os cortinados parecem suspirar. Os ombros de Larita traziam o peso de reuniões vazias e filas sem destino. Com um suspiro, deixou cair a mala no chão. — Hoje... vamos jogar. Loira, cadela de alma dourada, cheirando a sol e chão quente, ergueu-se num salto que sacudiu almofadas, memórias e pó. Ginger, o gato laranja, nem pestanejou. Cookie, loiro e teatral, desapareceu como um ator sem fala. — Um... dois... três... macaquinho do chinês! Virou-se. Loira estacada, mas o chocalho da coleira ainda sussurrava no ar. — Estás fora... — sorriu Larita, como quem reaprende a brincar. O soalho rangia, os móveis respiravam. A luz tingia o chão de laranja derretida. O ar sabia a almofadas gastas e tardes cheias de vago. Nova ronda. — Um... dois... três... macaquinho do chinês! Cookie avançava como sombra em missão. Ginger desaparecera do tapete. Do relógio, um tilintar seco. Lá fora, uma buzina esquecida. — Um... dois... três... macaq...

O que ninguém sabe

  No coração da cidade antiga, onde as pedras sussurram histórias esquecidas, morava um homem chamado Elias. Conhecido pela sua bondade desmedida, oferecia tudo o que tinha, comida, abrigo, até o próprio tempo, aos que batiam à sua porta. A casa, uma relíquia coberta de heras, era um farol para os perdidos, um oásis de luz num mundo cansado. Mas a bondade, pensava Elias, tinha um preço. Cada acto de generosidade drenava algo invisível, uma ausência que crescia em silêncio dentro dele. As tábuas antigas rangeram, num suspiro que parecia conter uma paciência sombria. As heras mexiam-se, deslizando pelas paredes como dedos ávidos, à espera que Elias cedesse ao que se abrira na sua alma. Numa noite enluarada, um estranho apareceu, com olhos de abismo e voz que parecia vir de outro tempo. Entregou-lhe um presente, uma caixa pequena, ornada com símbolos que dançavam nas sombras. Na caixa, a inscrição borrada lia-se com esforço: “Só abre, quando já não fores inteiro.” “O Espelho do Va...

O mal das coisas boas

No coração da cidade antiga, onde as pedras sussurram histórias esquecidas, morava um homem chamado Elias. Conhecido pela sua bondade desmedida, oferecia tudo o que tinha — comida, abrigo, até o próprio tempo — aos que batiam à sua porta. A casa, uma relíquia coberta de heras, era um farol para os perdidos, um oásis de luz num mundo cansado. Mas a bondade, pensava Elias, tinha um preço. Cada acto de generosidade drenava algo invisível, uma ausência que crescia em silêncio dentro dele. As tábuas antigas rangeram, num suspiro que parecia conter uma paciência sombria. As heras mexiam-se, deslizando pelas paredes como dedos ávidos, à espera que Elias cedesse ao que se abrira na sua alma. Numa noite enluarada, um estranho apareceu, com olhos de abismo e voz que parecia vir de outro tempo. Entregou-lhe um presente — uma caixa pequena, ornada com símbolos que dançavam nas sombras. Na caixa, a inscrição borrada lia-se com esforço: “Só abre, quando já não fores inteiro.” “O Espelho do Vazio”,...

Códigos Silenciosos

O nevoeiro sobre Nova Orbis não era apenas bruma, era um suspiro constante, uma respiração pesada que se entranhava em cada pedra, como se a cidade viva respirasse sob o jugo do Sistema Prime. Uma cortina densa, permanente, céu e terra deixavam de ser distinguíveis. O ar adensava-se com a opressão, esmagando pulmões, afogando pensamentos. O Sistema Prime não só via tudo, também sentia. Era uma fera invisível que se alimentava do medo e da obediência. Cada palavra registada, cada pensamento moldado, cada sonho espionado por algoritmos. Diziam que os fios mortos ainda sussurravam o nome dela, a que ousou desafiar o Sistema. Naquela manhã, o terminal piscou: «Eles sabem que estás a tentar sair.» O meu coração falhou um compasso. Ninguém sabia. Nem Elias. Levei o polegar ao pulso. Gesto herdado do meu pai. Ele fazia-o no escuro, como quem confirmava que ainda existia. Nunca deixes que vejam o teu medo. Sentir não denuncia. Mostrar, sim. Durante meses, colecionei fragmentos proibi...

O Sopro da Vida

Às vezes, não há mesmo um aviso. As cortinas do tempo se abrem, nuas, sem música, sem prólogo, só o silêncio e as mãos cruas. Em poucos segundos, tudo cai. O chão que parecia tão seguro se esvai em névoa. E o que era o alicerce torna-se apenas rastro, poeira. Vivemos na ilusão do comando, traçando um plano como um cartógrafo, crendo que a vida é linear e previsível, mas é maré e vento errático. Pensamos demais. A mente pesa. O que virá? O que foi? E se fosse...? Levamos as pedras nos bolsos e esquecemos o instante que nos trouxe. Pensa menos e sinta mais. Sinta o calor do sol sobre a face, o silêncio a dançar entre os sentidos, o riso sem razão, leve e fugaz, o arrepio dos tempos já partidos. A vida é curta e bela, E se a olharmos bem, nem é breve é um sopro. Suspiro entre dois vazios. Aproveitar não é correr, é ser. É colher figos antes que estejam frios. Há beleza no estar, simplesmente, viver com atenção, em alma presente, amar sem rede, sem ga...

Mariana e a Flor Azul

Conto, gênero Infanto juvenil: Nome da personagem Mariana/ Animal cavalo/ Objecto flor/ Verbo ajudar/ Espaço mãe/ Para no final transmitir paz as crianças. Mariana vivia com a mãe numa casinha simples, cercada de flores e silêncio. Um dia, encontrou um cavalo branco no quintal. Chamou-o de Jasmim. Ele não falava, mas entendia tudo. Quando a mãe adoeceu, Mariana cuidou dela com carinho. Ajudou a varrer a casa, fez chá e colheu flores. Jasmim a seguia por todo o lado, deixando pétalas pelo chão. Numa manhã, Mariana encontrou uma flor azul, rara como um sonho. Colocou-a ao lado da cama da mãe e a febre passou. A mãe sorriu. Jasmim relinchou. E, no coração da menina, nasceu uma paz tão grande que parecia encher o mundo.

A Teia

A primeira aranha apareceu na manhã em que o velho modem piscou pela última vez. Clara vivia sozinha num rés-do-chão húmido, paredes forradas de livros e silêncios, onde o ruído do mundo chegava filtrado por camadas de poeira e memória. Quando perdeu a ligação à internet, não ligou. Era um alívio. Um silêncio novo. Na semana seguinte, teias surgiram nos cantos dos quartos. Mas não eram teias comuns. Estendiam-se com uma simetria quase matemática, fios prateados que vibravam mesmo sem vento. As aranhas, finas como agulhas, tinham olhos demais. Clara tentava limpá-las. No dia seguinte, estavam de volta. Maiores. Mais densas. Descobriu que os livros estavam colados. Quando forçou um, as páginas estavam preenchidas por símbolos bordados em seda  fórmulas, fragmentos de código, palavras que nunca aprendera. Conectada . Permanece . Ouvida . Na véspera do equinócio, Clara tentou religar o modem. As luzes piscaram uma última vez. Depois, só o zumbido. Um calor estranho percorreu a casa....

E a sorte?? Paira no meu ar?

Sim, a sorte paira no teu ar esta semana, mas não como prémio. Como resposta. Ela não virá aos gritos, nem com clarins celestes. Virá no instante em que escolheres com verdade. No momento em que recusares o que brilha, mas não vibra. Na hora em que fores fiel à tua cadência, lenta, antiga, certeira. A sorte está em ti quando confias no que sabes há muito: que o código limpo é como um poema bem medido, que uma palavra certa vale mais que um milhão de cliques, que o tempo, esse velho artífice, está do teu lado quando não te vendes à pressa. Se precisares de um sinal, ele virá entre quinta e sábado. Não será óbvio, mas será exato. Um encontro, uma frase, um erro que afinal é chave. Repara bem. Não desates logo a interpretá-lo, vive-o. Se te perguntam se tens sorte, podes sorrir devagar e responder: “Tenho. Mas é da que se cultiva com silêncio e escolha certa.” E sim, o ar está cheio dela. Só tens de respirar com intenção.