O velho Manuel subiu a encosta de Alfama com o xaile da mulher dobrado sobre o braço. O cheiro do mar, mesmo distante, colava-se-lhe à pele como sal antigo. Os telhados coravam com a luz morna do entardecer, e das janelas escapavam murmúrios, panela ao lume, guitarra a afinar, silêncios a mastigar saudade. Na taberna da esquina, sentou-se à sombra. Pediu um copo de vinho e pousou o xaile no banco vazio. Era sempre o mesmo. Ali, Beatriz sentara-se pela última vez antes do cancro lhe apagar a voz. "Se algum dia a saudade for maior que o corpo, dá este xaile a quem a cante por mim", dissera, com o olhar virado ao Tejo. O homem da guitarra assentiu-lhe com uma mirada breve. Entre fados, há silêncios que se reconhecem. A rapariga entrou como quem procura algo que perdeu sem saber. Trazia nos olhos uma ausência antiga. Sentou-se, respirou fundo e cantou. > "Ai mar, que me levaste, Ai, vento, que não voltaste..." O tempo estacou. E com ele, o coração de Manu...
O que ouvi, o que senti, o que fiz
e o que despertou a minha curiosidade...