No alpendre gasto de madeira antiga,
ela pousou os sapatos sem palavra.
O chão sentiu o peso do abandono
e devolveu-lhe o frio da memória.
A casa ouviu o gesto sem
ruído,
como quem quebra um pacto sem remorso.
Os quadros nas paredes tremularam
com a leveza das coisas que se foram.
Caminhou nua do tornozelo
à mente,
deixando para trás o ruído das ideias.
No coração cresceu uma clareira
onde os sentidos ardiam sem juízo.
Na cozinha, o relógio
estava mudo.
No seu lugar, batia um outro tempo.
Os pensamentos, descalços, tropeçavam
nos cantos mais antigos da infância.
Ali, o pai chamava da
figueira.
Ali, a mãe bordava no fim do dia.
E o mundo era um lugar sem argumento,
feito apenas de cheiros, toques e gestos.
Sentou-se junto à luz,
perto da porta.
Não quis partir, mas também não ficou.
No rosto havia a sombra do que viu,
nos pés, o peso leve do que soube.
E quando a tarde cedeu à
promessa,
ergueu-se com a coragem dos simples.
Calçou o pensamento com silêncio
e caminhou, inteira, sem destino.
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