Publicação: Revista Ofélia Na quietude azul do alvor, uma mulher ergue os braços ao tecto, como quem parte vidro para colher luz, e o corpo verte-se em ondas, tenso por dentro como mar contido. No canto da sala, as paredes recuam, respiram devagar, afastam-se da pele, cedem espaço ao lume secreto que se ergue, translúcido, sem ruído, onde o pensamento ferve como água. Ali, entre o gesto e o sopro, irrompe um clarão, breve e cortante, onde as ideias colidem, fagulhas entre caos e ordem, escorrendo depois, líquidas, em fios que se entrançam sem repetir. A mulher não fala, mas o olhar cintila, nele, flutua uma cidade suspensa, pontes finas, casas de vidro onde criaturas curvilíneas se movem como se tivessem acabado de nascer. Quando regressa ao silêncio do corpo, as mãos repousam nos joelhos, e o peito abriga o peso doce de ter roçado, ao espreguiçar-se, o lugar secreto onde tudo começa.
O que ouvi, o que senti, o que fiz
e o que despertou a minha curiosidade...