Publicação: Revista Ofélia
Na quietude azul do alvor,
uma mulher ergue os braços ao tecto,
como quem parte vidro para colher luz,
e o corpo verte-se em ondas,
tenso por dentro como mar contido.
No canto da sala, as paredes recuam,
respiram devagar, afastam-se da pele,
cedem espaço ao lume secreto
que se ergue, translúcido, sem ruído,
onde o pensamento ferve como água.
Ali, entre o gesto e o sopro,
irrompe um clarão, breve e cortante,
onde as ideias colidem,
fagulhas entre caos e ordem,
escorrendo depois, líquidas,
em fios que se entrançam sem repetir.
A mulher não fala, mas o olhar cintila,
nele, flutua uma cidade suspensa,
pontes finas, casas de vidro
onde criaturas curvilíneas se movem
como se tivessem acabado de nascer.
Quando regressa ao silêncio do corpo,
as mãos repousam nos joelhos,
e o peito abriga o peso doce
de ter roçado, ao espreguiçar-se,
o lugar secreto onde tudo começa.
Comentários