Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de março, 2025

Convite para o Abismo

  A caixa chegou sem aviso, repousando na soleira como se sempre lá tivesse estado. Pequena, de madeira escura, com corda vermelha quase desfeita. Leonor hesitou, uma sensação estranha, quase de déjà vu, dominando-a. Algo nela se agitava, mas a sensação era familiar demais, como uma lembrança que ela tentava fugir. Dentro, um envelope negro com letras douradas: "Para ti, que não esqueceste." Quinta dos Olmos. O nome cortou-lhe a mente como uma lâmina. Algo que ela tentara esquecer, mas que agora surgia com o peso de um pacto antigo. O convite não era apenas um chamado. Chegou à quinta ao entardecer, o portão rangendo como uma advertência. O cheiro a madeira podre e fumo de algo queimado preenchia o ar. A casa erguia-se diante dela, observando-a em silêncio. Dentro, o ar parecia vivo, espesso, como se a própria casa estivesse à espera. "Leonor", a voz do tio, ecoou. Ela reconheceu-o imediatamente, mas o sorriso estava vazio e frio. Ao lado dele, a tia, com o...

Liberdade

 

Na TV

Olhos presos à luz trémula, rostos imóveis na penumbra. Mãos pousam sem peso, o copo balança, intocado. Vozes estalam, promessas caem, cenas mudam, nada se move. O mundo arde lá fora. E ninguém desvia o olhar. 36 palavras sobre Na TV #36Palavras #laritacaramela  

Vozes Entre Mundos

Maria sonhava em francês, chorava em inglês, amava em português.  As frases misturavam-se na boca, um mosaico de sons.  "És de onde?" perguntavam. Silêncio.  No espelho, via-se inteira. Não era metades, era de todas. 36 palavras sobre aqueles que falam e escrevem em mais do que uma língua #36Palavras #laritacaramela

O medo do desconhecido…

Fui buscar o meu primeiro poema (reajustei, revisei, reli). De 2008, para o Dia da Poesia.     Tenho anjos no céu e na terra, Velam por mim, amparam-me a alma, Sussurram promessas na brisa que berra, E acalmam-me o medo, que esmaga. Leio um livro em momentos de dor, Tenho a mente desperta para o essencial, Sei que na vida, não basta o ardor, É preciso o justo, o real e o vital. O corpo obedece à voz do pensar, Dança ao compasso do que a alma ordena, Se o coração e a razão sabem concordar, A vida caminha, segura e serena. Mas há um nó que me prende o peito, Uma sombra que insiste num sopro a tremer, E então eu respiro, recordo o perfeito, Penso em beleza... e deixo de ter. Tenho medo e receio do incerto, Mesmo que o tenha já enfrentado, Pois tudo o que é novo renasce coberto De um véu de mistério, de um medo calado. Mas o tempo, esse mestre, ensina e desfaz, E até o receio dissolve-se, num suspiro profundo. Deixa na pele as marcas que o tempo...

Primavera

 

Um dia, meu Pai.

Sinto a tua falta de uma forma que não consigo explicar. A saudade é uma presença constante, um peso que me acompanha. Às vezes, falo sozinha, na esperança de ouvir a tua voz, uma resposta que sei que não virá. O silêncio é tudo o que encontro. Mas depois, sem aviso, apareces. Nos meus sonhos, onde a tua presença é tão real. Nas lembranças que surgem e invadem-me, como se o tempo nunca tivesse passado. Numa nuvem que se cruza no céu, como se estivesses a sorrir para mim. Sei que estás e estarás sempre, a vigiar por mim e por todos nós. Mas as saudades são tão fortes… Há tanto coisa que gostaria de te contar. Há tantas perguntas que ficaram por fazer… e as lágrimas surgem, sem querer, sem aviso. Mas há algo que sei, com toda a certeza. Um dia, vamos reencontrar-nos. os nossos braços vão envolver-se novamente. E, nesse dia, meu pai, será como se o tempo não tivesse existido.

Desafio

DESAFIO MENSAL DE CLUBE DOS WRITERS Tema: UM DIA NA VIDA DE UMA PERSONAGEM HISTÓRICA Género: conto, até 1000 palavras.  Um dia na vida e Luís de Camões em Goa: https://larita-caramela.blogspot.com/p/um-dia-na-vida-de-luis-de-camoes-em-goa.html  

No fim da linha

O quarto estava mergulhado em silêncio, excepto pelo sussurro delicado da agulha a deslizar entre os fios. Helena tecia. Sempre tecera. Desde que se lembrava, os dedos seguiam os caminhos do novelo, transformando o caos em forma, alinhava destinos na grande tapeçaria do tempo. Mas agora, restava-lhe apenas um fio. O último. À sua volta, tapeçarias pendiam das paredes de pedra. Algumas vibravam suavemente, vivas com a respiração daqueles cujas histórias ainda se desenrolavam. Outras estavam frias, os rostos nelas bordados congelados para sempre no esquecimento. Era assim que funcionava. Era assim que sempre funcionara. Helena passou os dedos sobre o fio derradeiro. Estava gasto, fino como um sussurro. A cada laçada, um rosto surgia no tecido, uma menina de olhos cor de mel, um jovem que amava as estrelas, uma mulher que sussurrava segredos ao vento. Pessoas cujos destinos, ela entrelaçara sem nunca lhes tocar a pele. Mas o novelo afunilava-se entre os seus dedos, a linha escorrendo como...

Controvérsias

36 palavras sobre a caixa!

A caixa descansava esquecida no sótão. Dentro, cartas amareladas, fotografias desbotadas, um relógio parado. Ecos de um tempo intacto, mas inalcançável. Ao abri-la, não encontrou apenas objetos. Encontrou-se a si mesma, perdida noutra vida.   #36Palavras #laritacaramela 

Uma Amizade Improvável

No sótão da Dona Elvira, perdido entre pilhas de objetos antigos, uma meia solitária descansava, completamente desbotada. Ao seu lado, uma tampa de ‘Tupperware’ olhava para o vazio, indignada. — Isto é um escândalo! Fui tampa de uma caixa que viu festas elegantes! Agora, sou apenas... um pedaço de plástico esquecida! — resmungava a tampa, enfurecida. A meia olhou para ela, sem muita esperança. — Bem, tu até tens razão.  Eu já fui parte de algo maior, uma dupla de sucesso. Agora, sou... um pedaço de pano que ninguém quer! A tampa virou-se, com um brilho alucinante nos olhos. — Quem disse que não podemos ser mais? Talvez seja o começo de algo novo! A meia, já um pouco desconfiada. — Tu achas? Depois de tanto tempo amontoada aqui, ainda existe espaço para a gente brilhar? — Claro! Olha para ti! Já pensaste em ser um avental chique, ou um travesseiro improvisado? A meia, com uma leve animação, respondeu: — E tu, o que farias com esse potencial todo? A tampa sorriu, triunfant...

36 palavras sobre coisas que se perdem

Os nomes dos primeiros amigos. O cheiro da casa antiga. O riso de quem partiu. Perdem-se as chaves, as memórias. Algumas voltam. Outras, não. E há perdas que doem porque levam pedaços de quem somos. #36Palavras #laritacaramela