Publicação: Revista Ofélia. No alpendre gasto de madeira antiga, ela pousou os sapatos sem palavra. O chão sentiu o peso do abandono e devolveu-lhe o frio da memória. A casa ouviu o gesto sem ruído, como quem quebra um pacto sem remorso. Os quadros nas paredes tremularam com a leveza das coisas que se foram. Caminhou nua do tornozelo à mente, deixando para trás o ruído das ideias. No coração cresceu uma clareira onde os sentidos ardiam sem juízo. Na cozinha, o relógio estava mudo. No seu lugar, batia um outro tempo. Os pensamentos, descalços, tropeçavam nos cantos mais antigos da infância. Ali, o pai chamava da figueira. Ali, a mãe bordava no fim do dia. E o mundo era um lugar sem argumento, feito apenas de cheiros, toques e gestos. Sentou-se junto à luz, perto da porta. Não quis partir, mas também não ficou. No rosto havia a sombra do que viu, nos pés, o peso leve do que soube. E quando a tarde cedeu à promessa, ergueu-se com a coragem dos simples....
O que ouvi, o que senti, o que fiz
e o que despertou a minha curiosidade...