18 de junho de 2019

Beira memorias de uma vivencia

“Dar Palco e Dar Voz às Memórias”
“A memória não é entendida como lembrança estática, como o é a história, mas antes conduzida por grupos e pessoas e, por isso, susceptível a mudanças, deformações e manipulações”

“A memória, individual ou colectiva, é necessária à actualização da percepção da realidade, e é o que torna possível a compreensão das transformações operadas na sociedade”

“… é preciso reconhecer que as memórias individuais são construídas a partir de vivências que os sujeitos experimentaram no curso de suas vidas, no interior de grupos sociais”

“A trajectória de vida de cada entrevistado é a porta de entrada para a realização da leitura dos depoimentos, que devem ser reorganizados cronológica e coerentemente


Maurice Halbwach, Memória Colectiva

HISTÓRIAS DE VIDANossos “xamuares”- o que é feito deles?

Os testemunhos recolhidos contribuem para legitimação e sustentação de um dinamismo cultural, partindo do individual para o colectivo, sedimentando assim a construção de comunidade.

A comunidade Goesa nas suas origens, a Terra-mãe, Mãe Dês, ou na diáspora têm optado pela transmissão geracional de princípios, valores e práticas culturais, notoriamente com fundamento religioso. Diria que a base de sustentação do Goês Católico é a Igreja (religião), a tradição e a família.

Em Moçambique, Portugal ou em qualquer outro local do mundo, o Goês católico é o transmissor para os seus descendentes dos princípios do catolicismo e dos paradigmas tradicionais herdados, num processo permanente de auto-identificação. 


É forte a sua relação com o passado. As memórias não se constróem sem a colaboração dos círculos de sociabilidade em que o indivíduo está integrado e com os quais partilha experiências, afectos e vivências. A memória é eminentemente social e precisa de âncoras, de pontos de apoio para se estruturar e manter activa.
Sem isso, como Maurice Halbwachs, (sociólogo) os indivíduos não conseguem recordar, ou as suas memórias vão sendo cada vez mais diluídas pelo decurso do tempo.
As comunidades emigrantes sentem uma real necessidade de manter vivas as raízes, as imagens, as tradições e o passado colectivo, marcantes da sua identidade comum.
Apesar de inseridos, ainda que adaptados a uma sociedade ou cultura diferenciadas da sua, as memórias decorrentes, não são espontâneas, necessitam de signos, objectos, lugares de encontro, espaços de convívio e de sociabilidade. Manter vivas as tradições, os hábitos da gastronomia à indumentária.

Tem sido este trajecto da comunidade católica goesa, enquanto diáspora, numa relação secular de proximidade que vem mantendo a sua identidade cultural.

Extractos de algumas Histórias de Vida farão parte deste nosso projecto e que publicaremos no nosso órgão de informação ao longo da vigência desta Comissão Organizadora.

Eis os nossos entrevistados :
7 - Francisco Henriques

JOSÉ FRANCISCO HENRIQUES
NOME: JOSÉ FRANCISCO HENRIQUES
IDADE: 57 ANOS
PROFISSÃO: MÉDICO VETERINÁRIO

AR -
 Quer contar-nos o seu percurso de vida de uma forma sucinta ?
JFH - Nasci na Beira em 06/08/1951 e vivi durante 1 ano na Manga. Depois fui viver para as casas de madeira que havia na praia dos Pinheiros, entretanto derrubadas pela erosão.
Vivi na Beira até aos 7 anos (08/1958), tendo depois passado sucessivamente por Vila Cabral (08/1958-06/1961), João Belo (06/1961-06/1967), Nampula (08/1967-09/1972) e Lourenço Marques (09/1972-12/1977).

AR -
 Quais os motivos que o levaram a fazer esse percurso?
JFH - Este percurso pelos vários Distritos de Moçambique foram feitos em virtude de o meu pai ser funcionário público e estar sujeito a transferências periódicas.

AR -
 Que dificuldades encontrou no país de acolhimento? (datas e local )
JFH - As dificuldades naturais resultantes duma mudança; recém casado e com a esposa grávida, a qual teve de mudar-se para Lisboa por motivos profissionais, para poder ser integrada em Portugal, na Companhia onde trabalhava, sob pena de perder o emprego. Esteve sozinha 8 meses. A minha chegada a Portugal ocorreu em Dezembro de 1977, sem casa e sem emprego, este por um período de 2,5 anos com todas as dificuldades daí decorrentes. Felizmente todos os problemas se resolveram com o tempo.

AR -
 Lembra-se de algum acontecimento especial e marcante que queira revelar e partilhar connosco?
JFH - Foram 2 os acontecimentos que me marcaram:
Primeiro, o nascimento da minha filha em Setembro de 1977 visto eu não estar em Portugal e a gravidez da minha mulher ser de alto risco, não só por estar sozinha mas também por motivos clínicos; foi uma gravidez acompanhada à distância e só conheci a minha filha com 3 meses de idade.
Em segundo lugar o grave problema de saúde do meu filho ( leucemia), com 5 anos que nos obrigou a enfrentá-la com muito pensamento positivo porque as informações sobre como lidar com a doença eram escassas; mas com o apoio de todos os familiares e amigos e com a força de vontade de viver do Joca (o meu filho) conseguimos ao fim de 10 anos ultrapassar estes tempos muito difíceis.

AR -
 Concretamente na cidade da Beira onde morava e trabalhava, quer relatar-nos um pouco do seu quotidiano?
JFH - Vivi 6 meses na Manga e depois mudei-me para a praia dos Pinheiros onde estive até aos 7 anos de idade. Foi uma vivência curta mas que me permitiu beber a água do Chiveve, e quem a bebe nunca mais pode esquecer a Beira.

AR -
 No seu imaginário, quais as marcas ou símbolos que lhe causam alguma nostalgia?
JFH- O Grande Hotel que conheci no auge da sua grandeza e a Escola Eduardo Vilaça onde fiz a 1ª classe.

AR -
 Lembra-se de algum objecto ou fotografia que o acompanhou desde sempre e porquê?
JFH - As fotografias tiradas ao vivo no Parque Nacional da Gorongosa em 1972 numa viagem de estudo da Faculdade de Veterinária de Lourenço Marques.

AR -
 É uma pessoa de fé?
JFH - Sou

AR-
 Quando chegou a Portugal, o que sentiu comparativamente aos locais por onde passou?
JFH - A grande diferença que senti foi no comportamento das pessoas; nós os moçambicanos e especialmente os beirenses somos muito fraternos, abertos, amigos dos nossos amigos, o que não acontece aqui em Portugal;
Não sei se as coisas mudaram, mas já me adaptei à realidade portuguesa.

AR -
 Sendo o seu percurso Goa, Moçambique, Portugal, quais as semelhanças e diferenças comportamentais que sentiu na comunidade?
JFH- Vivi em Moçambique e em Portugal, mas sendo os meus pais oriundos de Goa tenho visitado aquele antigo torrão português com alguma frequência, não só por ainda ter familiares, mas também porque me sinto bem naquela terra por ser um local muito aprazível para férias e a gastronomia ser também muito do meu agrado.

AR -
 Culturalmente sente grandes diferenças? Que memórias estão associadas à sua origem e hábitos culturais ( quer na fé, no culto, na gastronomia, modo de vida, indumentária, tradições)?
JFH - Não sinto grandes diferenças embora elas existam..
Como faço parte do Grupo Ekvât da Casa de Goa procuramos divulgar em Portugal e no estrangeiro (por convite) a música, a dança e a cultura de Goa; o grupo comemora este ano 20 anos de existência e vem realizando uma série de iniciativas que podem ser consultadas no site do grupo. (www.ekvat.org)

AR -
 Que festas importantes se recorda de Goa?
JFH - Como não vivi em Goa não tenho nada para vos transmitir.

AR-
 E na Beira? Quer descrever?
JFH - Saí muito cedo da Beira, aos 7 anos para poder contar as minhas experiencias na Beira.

AR -
 Gostaria de revisitar esses lugares nomeadamente a Beira ?Porquê?
JFH - Gostaria de lá voltar, mas num grupo de beirenses, para que a viagem fosse mais agradável.

Entrevista conduzida por:

AR

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