sexta-feira, 8 de maio de 2009

Percepção extra-sensorial e o modelo da transmissão

Com esta postagem, pretendo, em apertada síntese, demonstrar o quão indefensável é a hipótese da percepção extra-sensorial ser explicada por algum modelo transmissivo, isto é, ser ela mediada por alguma forma de energia. As considerações são as seguintes:

1ª- transmissão implica que a informação, conduzida por alguma forma de energia, vai de A até B. Adite-se que, em razão da teoria da relatividade especial, a energia condutora não poderia percorrer acima da velocidade da luz. Todavia, a evidência sugere que psi não está adstrita aos limites de espaço-tempo, ou seja, o percipiente pode reagir (ou mesmo se tornar cônscio) instantaneamente sobre algo experimentado por outrem, remotamente localizado (às vezes a percepção ocorre até mesmo antes da informação existir, como nas experiências precognitivas). Assim, insistir em "transmissão", a meu sentir, seria contestar esse postulado da Física, diga-se, muito bem assentado em nosso banco do conhecimento;

2ª- não bastasse à primeira ponderação, ainda existe o problema da linguagem. Como alguém conseguiria interpretar o "código telepático"?

Consideremos a seguinte experiência aparicional:

Em setembro de 1857, o capitão Wheatcroft foi à Índia juntar-se a seu regimento, deixando sua esposa em Cambridge, Inglaterra. Na madrugada do dia 15 de novembro ela sonhou que viu seu marido ansioso. Acordou imediatamente com a mente bastante aturdida. Sob os reflexos da luz da lua, abriu seus olhos e viu o marido em pé atrás de sua cama. Ele estava vestido de uniforme e sua mão pressionava o peito. Tinha o cabelo despenteado e a face pálida. Seus olhos miravam fixamente sua esposa e tinha a língua contraída. Parecia estar sofrendo e fazia um esforço para falar, embora não tenha emitido qualquer som. Na manhã seguinte, a Sra. Wheatcroft contou a experiência a sua mãe e expressou que acreditava que seu marido estava morto ou corria perigo. Semanas depois ela recebeu notícias que seu marido havia morrido em Lucknow na tarde do dia 14 de novembro, 18 horas antes de ela ter visto a aparição (Hornell Hart. Six Theories about Apparitions, 1956).
Levando em conta o modelo transmissivo, e deixando de lado a primeira objeção -a qual reputo insuperável-, poderíamos até compreender que a mente (ou cérebro) da esposa, igual a um rádio captando ondas eletromagnéticas, teria apreendido as "ondas mentais" do finado marido, seja quando ainda moribundo ou já "desencarnado". Aliás, a analogia do "rádio mental" facilita enormemente a idéia de que a telepatia requer a transmissão de energia. Mas, voltando ao ponto, de que modo o receptor poderia decifrar a linguagem do sinal telepático? Como e quando, no curso da evolução, desenvolvemos essa habilidade, inclusive sem nos tornamos conscientes dela? Michael Levin põe a questão da seguinte maneira:

Se informações telepáticas são transmitidas pela modulação de alguma energia (como um modelo básico de "rádio mental"), então se tem que mostrar como uma pessoa aprende os significados dos diferentes sinais (isto é, o código para diferentes conceitos). Já que uma modulação em particular de alguma onda de energia não sustenta qualquer conexão para algum conceito mental (é um código "arbitrário", em contraste aos idiomas pictográficos), tem-se que aprender (por exemplo, por tentativa e erro, ou por uma meta-linguagem) a cartografia dos símbolos para os conceitos. O mesmo é verdade inclusive para a visão. Como Beloff assinala, este problema é resolvido pela modalidade de som (por exemplo) na infância, quando uma criança, por instrução, associa várias modulações particulares de ondas de som com outros estímulos e conceitos já aprendidos. A pergunta é se a telepatia propaga-se como as informações transmitidas em alguma energia física, de que maneira uma pessoa conhece o que os vários aspectos do sinal representam? Este problema é mais agudo quando informações sugeridas e não-sentimentais são transferidas, pois sendo assim, as representações universais, inatas e padrões de conexão física podem ser descartados (International Journal of Parapsychology, 11 (2), 123-141, 2000).
Apesar de podermos achar uma resposta a essa dificuldade, nem de longe ouso persistir em alguma solução para justificar tal capacidade de "traduzir" códigos telepáticos. Mas, apenas argumentando, poderíamos sugerir que já viemos equipados, desde o nascimento, com tal faculdade, o que dispensaria a necessidade de algum aprendizado. Mas isso não se apresenta tampouco idôneo, porque uma língua cresce continuamente, logo, eventual habilidade em decodificar mensagens telepáticas, fosse inata, seria sempre parcial e imutável. O único modo de atualizar nosso "dicionário telepático" seria através do aprendizado, mas aí voltaríamos ao enigma: como faríamos isso?

3ª- Viesse a ser verdade que a percepção extra-sensorial é explicada em termos de transmissão (seja de informação proposicional, como nomes de pessoas e lugares, datas etc.; experiências sensoriais - visões de locais, aparições, sons e cheiros paranormais etc.; ou sentimentos) teríamos antes que esclarecer o que o cérebro tem de especial para ser o único objeto físico a oferecer barreira ao "sinal telepático"? Isso porque, a despeito de obstáculos físicos, como grandes distâncias, câmaras de privação sensória, gaiolas de faraday, paredes de concreto, seja o que mais for material não impede o percipiente de ter cognição paranormal. Poderíamos, no entanto, mencionar que, assim como o sinal eletromagnético, após ultrapassar densas barreiras físicas, esbarra num rádio que apreende e decodifica-o, nossos cérebros seriam, por excelência, as estruturas que a natureza dispôs para criar e capturar os "sinais telepáticos". Mas como nossos cérebros fariam isso? É mais uma dificuldade que se impõe ao paradigma da transmissão.

4ª- Nenhum modelo transmissivo consegue acomodar, de um jeito inteligivelmente razoável, o fenômeno da clarividência. Senão vejamos. Em primeiro lugar, viessem objetos físicos emanar campos de energia ao longo do espaço, energia essa que carregaria informações das mais detalhadas sobre suas fontes materiais, cada objeto também seria, da mesma forma que o cérebro, criador de um "sinal extra-sensório", o que retiraria (ou enfraqueceria) a idéia de o cérebro é, por natureza, uma estrutura especial para impor barreira, isto é, captar "sinas telepáticos" (ou seja, extra-sensórios). Em resumo, o cérebro seria tão hábil a criar (e por lógica, captar) um sinal extra-sensório tanto quanto uma couve-flor, por mais risível que pareça! Em segundo lugar, elucubrar que objetos emitem campos energéticos descritivos já é algo bem extravagante. Por outro lado, poder-se-ia justificar a clarividência, em termos de teoria da transmissão, de uma maneira em que o "sinal extra-sensório" fosse emitido pelo cérebro e, ao alcançar um objeto ou lugar, apreenderia as informações lá contidas (como posições, cores, tamanhos, formas etc.). Após, o dito sinal retornaria ao cérebro de origem, com os dados. Poderia se acrescentar que, metaforicamente, nossos cérebros seriam como sonares, reverberando ondas espacialmente e recebendo de volta os sinais. Ocasionalmente, quando a informação fosse pessoalmente relevante, por algum mecanismo psicológico, torna-se-íamos cônscios a fim de proceder alguma resposta. Mas três questões de alta indagação surgiriam: uma, o quanto nossos cérebros consumiriam de energia para ficar "atirando" sinais extra-sensórios para todos os lados?; duas, como os sinais "saberiam" para onde voltar?; três, de que modo eles se "carregariam" das informações remotas? Diga-se ainda que, se sinais extra-sensórios são capazes de se carregarem de informações ambientais, é porque barreiras físicas lhes impõem resistência, à medida que há interação (pois algo material modificou o sinal). Todavia, mais uma vez aqui o cérebro perde, nem que seja em algum grau, aquele caráter especial, a exclusividade de manipular sinais extra-sensórios.

Por último, quero deixar claro que a hipótese de psi mediada por alguma forma de energia é gênero. Dela se desdobram vertentes, as quais ou colocam a ênfase no emissor ou no percipiente da experiência anômala. Seja como for, todos os corolários também estão fadados ao fracasso. Relevantemente aqui, poderia se destacar a ideação de que telepatia seria "leitura de pensamento" (ênfase num percipiente ativo). Por essa teoria, muitos casos fortes de mediunidade seriam elucidados por uma faculdade do médium em selecionar, na mente (ou cérebro) de pessoas vivas, informações que posteriormente seriam peças de uma dramática representação sobre algum morto se comunicando. Essa seleção poderia, dizem alguns, ser tão profunda, que conteúdos inconscientes, nem mais acessíveis por quem passou pela experiência, poderiam ainda assim ser sondados telepaticamente por um médium. E mais: o médium seria capaz de pegar fragmentos isolados na mente de várias pessoas, e depois fazer algo como "recorta e cola" para construir seu drama. Independente de isso soar absurdo, o que poderia depender de julgamento subjetivo, além de não estar claro como esse mecanismo de seleção poderia funcionar, a capacidade de devassar o banco de memórias alheio é "descendente" dos mais diretos da teoria da transmissão, logo, sujeito às mesmas críticas e à mesma improbabilidade.

Hoje de uma amiga, muito querida e de coração, mandou-me uma sms "carregadas de boas energias". Soube-me bem.
Obrigada Su.

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