Avançar para o conteúdo principal

A lenda de Neustadt


             
Nas margens do tempo, entre as colinas cobertas de vinhas e névoas que sussurram os nomes esquecidos, ergue-se Neustadt, não apenas a cidade, mas a guardiã de um segredo antigo. No alto da Colina dos Sussurros, o tempo não corre. Sangra.

            Elias, o relojoeiro, criou um mecanismo que não media as horas, mas as recordações. Cada ponteiro, um eco. Cada engrenagem, uma ferida. O relógio que levou consigo para o cimo da colina não era feito para marcar o tempo, era feito para o reviver.

            Amara seguiu um chamamento que só ela escutou. Dizem que viu, no pulsar irregular da torre, as memórias que não vivera ainda. Entrou no tempo como quem entra num sonho. Perdeu-se ou escolheu ficar do outro lado.

            O relógio tornou-se um portal. Quem o toca sente, não vê, sente os instantes perdidos, um beijo que não foi dado, uma promessa esquecida, um adeus nunca dito. Mas ajustar os ponteiros era aceitar a dor e poucos ousaram.

            Há um círculo de velhos que se reúnem em silêncio na cripta sob a igreja. Os guardiões da verdade. Velam para que o relógio nunca se complete. Para que Elias permaneça onde está, entre o agora e a outrora. Porque libertá-lo seria romper o selo que contém o peso da memória do mundo.

            Neustadt calou-se. As janelas passaram a fechar-se antes do pôr do sol. O sino foi silenciado. Mas há sussurros nos becos e ecos de passos em ruas vazias, como se a própria cidade respirasse o segredo.

            A colina floresce sem semente e há noites em que um segundo se repete, sempre o mesmo, como se o mundo hesitasse. Há quem jure ter visto Amara no espelho partido da torre, mais velha ou talvez mais nova. Sempre distante.

            E quando o relógio soar de novo, Neustadt há-de estremecer. Porque há feridas que o tempo não cura. Há memórias que, se tocadas com a verdade, podem finalmente descansar ou recomeçar.

            Para manter aberta a única porta onde o amor não foi embora. Há segredos que só o tempo, quando dói, se atreve a contar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mãe de 8 gémeos divide americanos...

Tinha tudo para ser uma história feliz, mas está a dividir a América. O parto de oito gémeos, todos vivos, gera ódios à medida que são conhecidos pormenores da vida da mãe dos bebés, já com seis filhos, divorciada e desempregada. Várias ameaças de morte obrigaram Nadya Suleman - a mulher que deu à luz os oito bebés, no final de Janeiro - a esconder-se em "parte incerta", segundo o seu porta-voz. Nadya terá levado consigo os seis filhos, com idades entre dois e sete anos, enquanto os recém-nascidos continuam internados no hospital, onde deverão permanecer nos próximos meses. A mulher e a empresa de comunicação por ela contratada terão sido alvo de uma série de ameaças, através de chamadas telefónicas e mensagens de e-mail, de acordo com o porta-voz, Michael Furtney, citado pela Reuters. São cada vez mais ferozes as críticas contra Nadya, de 33 anos, que apesar de desempregada e divorciada, decidiu fazer um tratamento para a infertilidade, numa altura em que já não tinha condiç...