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16 de fevereiro de 2025

Asas na noite


O vento deslizava entre as copas das árvores, murmurando segredos indecentes à noite cúmplice. A escuridão envolvia tudo, espessa e convidativa, um véu onde os sentidos eram despertados à flor da pele. Clara avançava pela estrada deserta, com o corpo vibrando dum desejo febril e inquieto.
Sentiu primeiro o silêncio. Não uma ausência banal, mas um convite suspenso, uma promessa. Depois, veio o som, um bater de asas profundo, ritmado, como se a própria noite respirasse ao seu redor. 
Ela parou, de olhos arregalados e peito arfante. Olhou para cima. Nada, apenas o céu aveludado, escuro.
Um arrepio percorreu-lhe a espinha, um choque eléctrico que incendiou cada célula do corpo. Continuou a andar, cada passo mais lento, como se a dança da noite exigisse rendição. O som regressou, mais próximo e íntimo. O bater de asas envolvia-a como um sussurro ao ouvido, um toque sem contacto, uma carícia ardente sem forma.
Clara mordeu o lábio, tentando conter o gemido. O ar pulsava ao seu redor, promessa de luxúria e perdição. A respiração tornou-se densa, carregada de um calor insuportável. 
Algo pairava sobre si. Sentimento duma presença faminta, um desejo maior que a própria escuridão. O ar tornou-se espesso, impregnado de um perfume inebriante, quente e hipnótico.
 O som das asas cessou e o silêncio tornou-se expectante, vibrante. Clara parou. Algo roçou na sua pele, quente, firme, dotado de uma força que não pedia permissão, apenas tomava. O gemido escapou-lhe antes que pudesse contê-lo. Garras deslizaram pela sua pele febril, marcando-a. 
 A aldeia ficou para trás e um punhado de luzes trémulas. O céu acolheu-a com uma fome insaciável.
 Então, a doçura rompeu-se. O toque macio tornou-se áspero, cruel. O perfume deu lugar ao cheiro ferroso da morte. Clara tentou gritar, mas os dedos impossivelmente longos cerraram-se à garganta. O êxtase tornou-se tormento. Tentou lutar, mas já era tarde. O céu, antes refúgio, era agora um túmulo.
 Na manhã seguinte, apenas um lenço amarrotado jazia na estrada poeirenta, manchado de algo mais do que desejo. E ao cair da noite, o vento trouxe consigo o eco distante de asas que prometiam sempre mais.

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