Avançar para o conteúdo principal

Asas na noite


O vento deslizava entre as copas das árvores, murmurando segredos indecentes à noite cúmplice. A escuridão envolvia tudo, espessa e convidativa, um véu onde os sentidos eram despertados à flor da pele. Clara avançava pela estrada deserta, com o corpo vibrando dum desejo febril e inquieto.
Sentiu primeiro o silêncio. Não uma ausência banal, mas um convite suspenso, uma promessa. Depois, veio o som, um bater de asas profundo, ritmado, como se a própria noite respirasse ao seu redor. 
Ela parou, de olhos arregalados e peito arfante. Olhou para cima. Nada, apenas o céu aveludado, escuro.
Um arrepio percorreu-lhe a espinha, um choque eléctrico que incendiou cada célula do corpo. Continuou a andar, cada passo mais lento, como se a dança da noite exigisse rendição. O som regressou, mais próximo e íntimo. O bater de asas envolvia-a como um sussurro ao ouvido, um toque sem contacto, uma carícia ardente sem forma.
Clara mordeu o lábio, tentando conter o gemido. O ar pulsava ao seu redor, promessa de luxúria e perdição. A respiração tornou-se densa, carregada de um calor insuportável. 
Algo pairava sobre si. Sentimento duma presença faminta, um desejo maior que a própria escuridão. O ar tornou-se espesso, impregnado de um perfume inebriante, quente e hipnótico.
 O som das asas cessou e o silêncio tornou-se expectante, vibrante. Clara parou. Algo roçou na sua pele, quente, firme, dotado de uma força que não pedia permissão, apenas tomava. O gemido escapou-lhe antes que pudesse contê-lo. Garras deslizaram pela sua pele febril, marcando-a. 
 A aldeia ficou para trás e um punhado de luzes trémulas. O céu acolheu-a com uma fome insaciável.
 Então, a doçura rompeu-se. O toque macio tornou-se áspero, cruel. O perfume deu lugar ao cheiro ferroso da morte. Clara tentou gritar, mas os dedos impossivelmente longos cerraram-se à garganta. O êxtase tornou-se tormento. Tentou lutar, mas já era tarde. O céu, antes refúgio, era agora um túmulo.
 Na manhã seguinte, apenas um lenço amarrotado jazia na estrada poeirenta, manchado de algo mais do que desejo. E ao cair da noite, o vento trouxe consigo o eco distante de asas que prometiam sempre mais.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Portugal no Guiness com a maior bandeira humana...

PORTUGUESE FEMALE POWER On 20 May 2006 we had the pleasure of spending 48 hours in Portugal adjudicating an attempt on the Guinness World Record for the Largest Human National Flag. The record to beat was set in Scotland earlier this year when 13,254 fans formed the Saltire, the Scottish national flag, at a Scotland v France Six-Nations game at Murrayfield Rugby Club. Held at Lisbon's national stadium, the event was organized by a company called Realizar who had plenty of experience having organized seven other successful Guinness World Records attempts. These include the Largest Hockey Stick, a staggering 56 ft 7 in ( 17.25 m) long, the Largest Human Logo made up of 34,000 people (part of Portugal's successful bid to host the Euro 2004 soccer championships) and the Largest Football with a whopping diameter of 19 ft 10 in (6.06 m)! But the focus this time was once again on mass participation. The record attempt was part of a larger celebration organized by Banco Espirito Santo,...