Aurora era uma menina muito brincalhona mas tímida que cresceu com um segredo que ninguém sabia. Ela brincava, saltava, ria, era uma criança normal na presença de outras crianças mas, quando a escola acabava sentia-se muito olhada. Ela gostava de se dar bem com todos. As pessoas falavam, perguntavam qualquer coisa e ela não respondia. E quando respondia, ninguém percebia o que dizia.
O irmão puxava-a para irem embora, porque queria ir jogar futebol. O Salvador era um menino sossegado, tímido e gostava de futebol. Era inteligente nos estudos, pois tinha tudo na cabeça e na hora do almoço, comia rapidamente para ir jogar. De manhã e ao final do dia, ele e a irmã Aurora faziam companhia na ida e vinda da escola. Seguiam juntos para casa com os cestos e mochilas. Sempre que estava na companhia da irmã, surgia a transformação de irmão mais velho. Era protetor da irmã e era responsável nas travessias das estradas, e não falava com estranhos.
Á noite, depois de jantar com pais e irmão, depois do beijo de boa noite, deitava a sua cabeça na almofada, sentia um enorme vazio dentro dela, uma mistura de solidão e tristeza, pois não percebia o porque dos olhares das pessoas. E tudo ficava num grande suspense dentro da cabeça dela e adormecia sem respostas.
Um dia, em conversa com os seus pais, percebeu que as pessoas não entendiam a sua deficiência que notava por fora e não olhavam para a beleza interior que tinha, apenas olhavam. Que tinha uma cara diferente, os olhos eram tristes e descaídos, os dentes todos encavalitados e sem nexo, as orelhas escondidas atrás de um lindo e longo cabelo preto. Era o tal, segredo, o ser diferente dos outros. Nunca pensaram nos muitos sacrifícios que ela, os pais e irmão tinham passava e julgavam-na apenas com o olhar. A mãe e o pai , disseram-lhe para não ligar, para continuar a ser como era, uma menina inocente, feliz e alegre.
Assim, o fez.
Cresceu mais um pouco, saiu do seio familiar e um dia, resolveu fazer o mesmo. Olhou para as pessoas que estavam no autocarro da mesma maneira como olhavam para ela. Não conseguiu manter e eles desviaram o olhar. Caíram-lhes lágrimas pela cara abaixo e saiu do autocarro com pensamento triste. A dor que sentiu ao faze-lo, jurou que nunca mais faria isso.
Querem olhar que olhem e a vida continuou sem julgamentos nem culpa, por muitos anos.
Depois do pai morrer, descobriu que tinha o dom de escrever. As palavras pairavam na sua cabeça sem parar e um dia, resolveu aponta-los num caderno. E com isso, tentou escrever o seu passado num papel e descobriu que a chave da sua felicidade era um enorme e belo sorriso que mostrava a toda a gente, sem pudor.
Sorria com os seus olhos a brilhar, como uma criança inocente que era. E mesmo depois de crescida, ainda mantinha a criança que tinha dentro de si.
Autora: LMCF
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