sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O dia em que Portugal deu o salto para o mundo

Na madrugada de 21 de Agosto de 1415 uma poderosa armada com 20 mil homens preparava-se para conquistar Ceuta. Era o princípio de uma aventura que deixou marcas profundas no futuro e na identidade de Portugal.

Na madrugada de 21 de Agosto de 1415, quando o sol começou a nascer, os habitantes de Ceuta podiam ver na linha do horizonte que se perdia no mar um cenário tão grandioso como assustador.

A pouca distância da costa, mais de 200 naus, fustas e galés preparava-se para desembarcar os primeiros soldados da expedição de uns 20 mil homens que D. João I, rei de Portugal, tinha armado para conquistar a cidade. Pela primeira vez na sua história de menos de quatro séculos, os portugueses arriscavam sair do seu ancoradouro europeu e conquistar um pedaço do continente africano que, sob diferentes conceitos e ideologias, haveria de permanecer no seu consciente colectivo até 1974. Poucas datas da história nacional encerram o mesmo peso e o mesmo significado desse dia de há 600 anos, quando Ceuta caiu nas mãos dos portugueses após uma batalha que durou entre as seis da manhã e as sete e meia da tarde.

Sabe-se pela Crónica da Tomada de Ceuta escrita por volta de 1450 por Gomes Eanes de Zurara que D. João I pensava numa operação militar no exterior das suas fronteiras desde 1409. Por essa altura, o rei já sabia da iminência de um tratado de paz que poria fim a um quarto de século de hostilidades abertas ou veladas com Castela. Com a assinatura do tratado de Ayllon, a 31 de Outubro de 1411, as tréguas com o inimigo castelhano são prolongadas até à maioridade do rei Juan II, em 1419, o que permitia a D. João I pensar em novas ousadias. As oportunidades com que se confrontavam não eram muitas. O alvo das suas ambições podia ser o reino de Granada, o último bastião mouro na Península Ibérica, a Itália ou o Norte de África. No primeiro caso, qualquer movimento enfureceria os castelhanos, que pela tradição da Reconquista tinham direito natural a conquistar os territórios a sul das suas fronteiras. As ilhas italianas ficavam longe e obrigavam a verter sangue cristão. África era por todas as razões o destino mais lógico nas conjecturas do rei que, desde muito cedo encontrou nos seus filhos mais velhos, D. Duarte, D. Henrique e D. Pedro, um apoio entusiástico.

O projecto da conquista de Ceuta ter-lhe-á sido apresentado pelo seu vedor da Fazenda, João Afonso de Alenquer (1395-1433), conhecedor das riquezas da cidade. Ceuta, diria Alenquer citado por Zurara, “é uma muito notável cidade e muito azada para se tomar”, para lá de ser “muito rica e muito formosa”. Determinado o destino, era necessário começar as preparações no maior segredo. Para começar, era preciso conhecer o terreno. Uma missão que foi entregue em 1412 ao prior do Hospital, D Álvaro Gonçalves Camelo e ao capitão de mar e anadel-mor dos besteiros, Afonso Furtado. Sob o disfarce de uma viagem à Sicília, ambos passam por Ceuta numa clara operação de espionagem. No regresso, trazem informações sobre as praias para o desembarque, as muralhas, a localização das suas 70 portas e postigos. O prior fez até uma maqueta para mostrar “os lugares por onde a cidade podia receber combate”, escreveu Zurara.

O rei começa então a fazer contas. Preocupava-se com os gastos da operação e com a sua viabilidade – ou pelo menos, para sublinhar o seu zelo e reflexão, foi essa a ideia que Zurara quis inscrever na História. D. João I afligia-se com a falta de dinheiro e com os limites para lançar novos impostos – seria um “escândalo para o povo”; com a distância de Ceuta e ausência de meios de transporte para lá chegar; com a falta de gente; com a incerteza sobre o futuro das relações com Castela; com as dúvidas sobre os proveitos a tirar da conquista; e com suspeitas sobre os custos de manutenção da praça. Era uma agenda difícil de gerir.

A corrida contra o tempo
Garantido o apoio dos filhos, o rei procura obter a aliança do Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, que após Aljubarrota se tornara na estrela do regime, e da sua mulher, Filipa de Lancastre. Após a sua anuência, D. João manda apressar os preparativos no início de 1414. Até ao ataque faltava mais de um ano e meio e o sucesso da sua estratégia só seria possível se as operações permanecessem na maior das discrições. Em Julho desse ano, porém, os planos reais saem do círculo estrito dos seus colaboradores e tiveram de ser discutidos com o seu Conselho. No dia 23 de Julho, uma parte dos 32 conselheiros do rei é convocada para Torres Vedras. D. João trata então de “propor este feito [a conquista de Ceuta]e determinar o termo certo em que com a graça de Deus hajamos de partir”.  Os conselheiros apoiam o plano. No final são obrigados a jurar segredo sob o Santo Lenho de Vera Cruz e o Livro dos Evangelhos, informa-nos Zurara.

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