terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Psiquiatras recusam tratar homossexualidade


por Ana Bela Ferreira e Elisabete Silva

Médicos defendem que a homossexualidade não se altera por acção clínica. Parecer da Ordem dos Médicos, que é discutido hoje, fala, porém, em casos mutáveis.
Os psiquiatras consideram que a homossexualidade não é mutável por acção médica e recusam tratar quem lhes peça este tipo de ajuda. Uma posição diferente aquela defendida pelo parecer do Colégio de Especialidade de Psiquiatria, que hoje deverá ser aprovado (ver texto ao lado), e onde se refere que em alguns casos a orientação sexual pode ser mutável e, que os médicos não devem ignorar os pedidos de ajuda dos homossexuais.
"Se tenho à minha frente um homossexual exclusivo que não aceita esse facto e me pede para ser heterossexual digo que não há tratamento", defende Júlio Machado Vaz. Também o presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria, António Palha, não têm dúvidas que "a homossexualidade não se trata". Uma opinião reforçada por Caldas de Almeida, coordenador nacional para a Saúde Mental: "As pessoas homossexuais não deixam de o ser por causa de um tratamento com o psiquiatra".
Apesar de recusar a validade dos tratamentos, Pedro Varandas admite que  ainda"há determinadas terapias de orientação comportamental que já provaram ser eficazes em algumas pessoas que sofrem com a sua homossexualidade". Isto no caso dos indivíduos insistirem num tratamento.
Filipe Nunes Vicente também não acredita em terapias de reconversão, mas sabe "que há médicos que defendem o tratamento da homossexualidade". Contudo, este psicólogo confessa que não recusa tratar "uma pessoa homossexual que se apaixone por alguém do sexo oposto" e que lhe solicite ajuda.
Ideia reforçada por Daniel Sampaio. O psicólogo considera que "a orientação sexual não é imutável", mas realça que "o médico não deve tentar mudar, deve dis-cutir, deve ajudar essa pessoa".
Já a psiquiatra Graça Cardoso é peremptória: "Não se pode fazer nada. A homossexualidade não é uma escolha. Tratar um homossexual para que o deixe de ser é o mesmo que tratar alguém por ser alto ou baixo." Para esta médica é essencial ajudar a pessoa "a viver com essa situação", para tentar evitar depressão que, em casos extremos, pode levar ao suicídio.
Existem no entanto problemas de mudança de orientação que chegam aos psiquiatras por causa das dúvidas e ansiedade que criam. "Há casos de pessoas com a sua vida formalizada, casadas e com filhos e que não conseguem conter mais essa situação. São pessoas que percebem o que se passa mas não têm armas para sobreviver às tensões sociais", explica o psiquiatra Marcelo Feio.

As dificuldades em aceitar uma mudança na orientação sexual, acontecem "tanto em homens como em mulheres", adianta o médico do Hospital Santa Maria, em Lisboa.
Da mesma forma que há pessoas que "sempre se afirmaram como homossexuais e numa fase mais tardia da sua vida fazem uma viragem para a heterossexualidade", acrescenta Marcelo Feio.


Orientação

Parecer será hoje discutido na Ordem dos Médicos

O parecer do Colégio de Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos sobre a homossexualidade deverá ser aprovado hoje.
O bastonário Pedro Nunes garantiu ao DN que a discussão do parecer está na ordem de trabalhos para a reunião do Conselho Nacional Executivo, mas recusou comentar o seu conteúdo.
A polémica sobre o tratamento da homossexualidade surgiu, em Maio, quando vários profissionais da saúde mental, entre eles Daniel Sampaio e Júlio Machado Vaz, lançaram uma petição a exigir à Ordem uma tomada de posição sobre o tema. Isto na sequência de declarações feitas por alguns especialistas, entre eles o presidente do Colégio da especialidade da Ordem, João Marques Teixeira, sobre uma eventual cura da homossexualidade. Este perito veio depois explicar o que defende é que os "médicos respondam a pedidos dos clientes (uns doentes, outros clientes de uma acção psicológica ou psicoterapêutica) que têm necessidade de solicitar aos técnicos ajuda para os problemas". Essa é a principal ideia do parecer, que refere ainda que "podem existir orientações sexuais imutáveis, enquanto que outras não o serão". No documento é aconselhado ao "clínico estar sempre atento ao pedido do seu doente singular e preocupar-se em estabelecer um diagnóstico da situação (...) antes de propor qualquer tipo de intervenção ou abster-se dela".


Orientação

ILGA vai contestar posição dos peritos

A associação ILGA Portugal - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero [LGBT] reconhece ao DN intervir se o parecer do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos admitir que a homossexualidade pode ser tratada.
"É muito grave que assim seja, porque induz em erro e pode contribuir para agravar situações já difíceis de aceitação da homossexualidade", refere o dirigente da Ilga, Paulo Côrte-Real. O responsável espera ainda que os próprios médicos contestem esta posição da Ordem.

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