O sol punha-se devagar, tingindo a areia de laranja melancólico. Ela caminhava sozinha, descalça, sentindo o sal secar-lhe os tornozelos. O vento puxava-lhe os cabelos como dedos de um amor antigo. O cheiro acre do mar preenchia-lhe o peito com memórias. Foi então que a viu, uma garrafa, semi enterrada, com um papel enrolado no ventre de vidro.
Curvou-se devagar, quase em cerimónia e retirou-a com cuidado. Tinha as mãos frias, mas o coração começava a arder. A rolha cedeu com um estalido húmido. Com dedos trémulos, libertou a mensagem.
«Amo-te. Ainda te espero. Estou aqui.»
Assinava com um nome que lhe era tão íntimo como o sangue.
Pedro.
Há sete anos, ele desaparecera sem aviso. Diziam que partira para o mar, que era da sua natureza fugir quando o mundo se tornava estreito. Ela nunca acreditara no abandono. Mas o silêncio era um inimigo cruel.
Guardara-lhe o casaco. Dormia, às vezes, com ele ao colo. E sonhava com passos na areia molhada, com uma voz a chamá-la do nevoeiro.
Sentou-se ali mesmo, de olhos fixos no horizonte. A maré subia, talvez para levar consigo aquela revelação. Ao longe, as gaivotas gritavam como ecos do passado.
No dia seguinte, voltou à mesma hora. E no outro. Até que numa tarde húmida, viu um homem parado à distância. Caminhava como quem regressa de muito longe. O cabelo mais grisalho. O olhar igual.
A praia ficou imóvel. O vento, suspenso. O mundo, em espera. Ele trazia outra garrafa, ainda por abrir. Parou a poucos passos.
«Nunca te deixei de escrever.»
Silêncio. Ela aproximou-se. Tocou-lhe a face como se confirmasse que era de carne, não de bruma.
E chorou, não pelo tempo perdido, mas por tudo o que ainda podia ser. O mar, eterno cúmplice, guardou o segredo e abriu-se como um portal.
1 comentário:
Maravilhoso!
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