Mateus acordou com um gosto metálico na boca. O cheiro a ferrugem e suor impregnava-lhe a pele.
— Bom dia. — A voz veio de dentro.
O coração de Mateus acelerou.
— Não outra vez…
— Outra vez? — A risada ecoou na sua cabeça. — Meu caro, nós somos isto.
O espelho ao lado da cama reflectiu um rosto familiar. Mas os olhos não eram seus. O direito brilhava num castanho comum, mas o esquerdo… negro como breu. Um sorriso rasgou-lhe os lábios sem o permitir.
— O que fizeste? — Mateus segurou a própria cabeça, os dedos cravando-se na pele.
— Salvei-te do tédio. — A voz dentro dele soava satisfeita.
A náusea subiu-lhe à garganta. Sentia o corpo pesado, exausto, como se tivesse corrido durante horas. Levantou-se, cambaleante. O cheiro de sangue enchia o ar. Os dedos moveram-se sem permissão, alisando a camisa manchada.
— Fica calmo — disse a voz. — Desta vez fui cuidadoso.
Mateus tropeçou até à porta. A maçaneta estava pegajosa. O chão, molhado. Um passo, outro. Luz fria da cozinha. O corpo no chão. Engoliu um soluço. A mulher de olhos vazios fitava o tecto. O corte no pescoço ainda gotejava.
— Não… — A palavra saiu-lhe num sussurro.
— Sim — corrigiu a voz, satisfeita. — E foi tão fácil.
O ar ficou espesso. O corpo dele tremeu. Os músculos enriqueceram. Tentou recuar, mas as pernas não lhe obedeciam.
— Não resistas — a voz sussurrou-lhe ao ouvido, embora viesse de dentro. — Eu faço o que tu não tens coragem.
A mão direita ergueu-se e apontou para o próprio peito.
— Agora… dorme.
Mateus gritou. Mas ninguém ouviu.
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