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O Jardim dos Sete Amores

 

No coração de uma vila esquecida pelo tempo, havia um jardim mágico. Diziam que quem atravessasse o portão enferrujado encontraria flores que simbolizavam as diferentes formas de amar, cada uma com um perfume único, capaz de transformar até o coração mais inquieto. Foi com esta promessa que Lara, uma jovem à procura de respostas para as turbulências do seu coração, decidiu aventurar-se naquele lugar enigmático.

Ao empurrar o pesado portão, foi recebida por um aroma suave e uma brisa que parecia carregada de murmúrios antigos. O caminho de pedras irregulares conduzia a uma flor de pétalas azuis tão delicadas que pareciam feitas de veludo. Uma voz sussurrante ergueu-se do nada:
— Eu sou o amor-próprio. Não sou egoísmo, mas o respeito que deves a ti mesma. Sou a força para dizer “não” e a sabedoria de saber que mereces mais.

Lara ajoelhou-se, tocando a flor. O perfume doce preencheu os seus pulmões, trazendo-lhe memórias de momentos em que ignorou a sua intuição para agradar aos outros. Pela primeira vez em muito tempo, respirou fundo e sentiu um peso desaparecer.

Mais adiante, um denso arbusto de rosas-vermelhas ergueu-se imponente, o seu aroma intenso e quente a envolver. Uma nova voz, apaixonada e quase feroz, manifestou-se:
— Eu sou o amor romântico. Sou o fogo que aquece e ilumina, mas também posso queimar.

Lara hesitou antes de tocar numa pétala aveludada, recordando momentos em que o seu coração parecia explodir de alegria, mas também as noites em que chorou até adormecer.
— Por que feres tanto? — murmurou.
— Porque sou humana — respondeu à flor. — Nem sempre sou justa, mas sou sempre verdadeira.

Seguindo o caminho, Lara encontrou um campo de malmequeres-amarelos que dançavam ao sabor do vento.
— Nós somos o amor entre amigos, o laço invisível que une almas sem cobranças.

Ajoelhando-se entre as flores, Lara sentiu os olhos encherem-se de lágrimas. Lembrou-se de Kica, a amiga de infância com quem nunca perdera o contacto, e de todas as risadas e partilhas que viveram.
— Somos o abraço que consola, a gargalhada que cura, a saudade que aquece. Cultiva-nos e nunca estarás sozinha.

Mais adiante, sob a sombra de uma árvore frondosa, cresciam flores brancas que pareciam brilhar como pequenas estrelas.
— Eu sou o amor incondicional — disse a árvore com uma voz profunda e serena. — Sou o amor que os pais sentem pelos filhos, o que te faz continuar a amar alguém mesmo quando tudo se dificulta.

Lara pousou a mão na casca rugosa da árvore e sentiu o calor de todas as vezes que encontrou refúgio nos braços da sua mãe. Um sorriso tímido surgiu no seu rosto, misturado com uma lágrima de gratidão.

Ao virar uma esquina, uma trepadeira lilás enroscava-se graciosamente numa cerca enferrujada.
— Eu sou o amor altruísta, aquele que dá sem esperar retorno. Sou o amor que sacia a fome do faminto, consola o triste e luta por um mundo melhor.

Lara recordou os momentos em que ajudou desconhecidos, pequenos gestos que iluminaram dias cinzentos. A flor parecia exalar uma energia que aquecia a alma, uma lembrança de que o verdadeiro amor não conhece fronteiras.

No canto mais sombrio do jardim, uma flor negra e solitária chamou a sua atenção. Era de uma beleza misteriosa, quase assustadora.
— Eu sou o amor perdido, o reflexo das despedidas e das saudades. Não sou mau, sou o contraste necessário para valorizares os outros amores.

Ao tocar a flor, Lara sentiu uma pontada de tristeza, mas também de aceitação. Lembrou-se de partidas, de despedidas dolorosas, mas percebeu que o amor perdido nunca é esquecido, transforma-se em memórias que moldam quem somos.

Por fim, chegou ao centro do jardim, onde uma flor dourada irradiava luz suave, como se guardasse o próprio sol no coração das suas pétalas.
— Eu sou o amor universal — disse a flor, com uma voz que parecia ecoar em todo o jardim. — Sou a essência da vida, o elo que conecta tudo o que existe. Sem mim, nada floresce.

Lara tocou a flor dourada e sentiu o seu coração expandir, como se todo o universo fosse-lhe revelado. Era um amor maior, que transcendia todas as formas que encontrara até ali, unindo-as num ciclo eterno de dar e receber.

Quando deixou o jardim, Lara não era mais a mesma. Cada flor que encontrara representava um pedaço da sua alma, um reflexo das complexidades do amor. Compreendeu que amar não é uma experiência única, mas um mosaico infinito, onde cada peça tem o seu lugar.

Ao regressar à sua vida, Lara sentiu-se renovada. O mundo parecia maior e mais luminoso. Estava pronta para amar — e ser amada — em todas as formas possíveis, sabendo que cada amor, na sua diversidade, fazia parte do mesmo jardim que florescia no seu coração.

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