quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O peso que a gente leva...

"O peso que a gente leva... 



O perigo da viagem mora nas malas. Elas podem nos impedir de apreciar a
beleza que nos espera. 

 Minhas malas são sempre superiores às minhas necessidades. É por
isso que minhas partidas e chegadas são mais penosas do que deveriam.
Ando pensando sobre as malas que levamos...
Elas são expressões dos nossos medos. Elas representam nossas inseguranças..
Olho para o viajante com suas imensas bagagens e fico curioso para saber o
que há dentro das estruturas etiquetadas.
Tudo o que ele leva está
diretamente ligado ao medo de necessitar. Roupas diversas; de frio, de calor
– o clima pode mudar a qualquer momento! – remédios, segredos, livros,
chinelos, guarda chuva – e se chover? –, cremes, sabonetes, ferro elétrico –
isso mesmo! – Microondas? – Comunique-me, por favor, se alguém já ousou
levar!
O fato é que elas representam nossas inseguranças.
Digo por mim. Sempre que
saio de casa levo comigo a pretensão de deslocar o meu mundo.
Tenho medo do
que vou enfrentar..
Quero fazer caber no pequeno espaço a totalidade dos
meus significados. As justificativas são racionais. Correspondem às regras
do bom senso, preocupações naturais para quem não gosta de viver privações.
Nós nos justificamos: Posso precisar disso, posso precisar daquilo...
Olho ao meu redor e descubro que as coisas que quero levar não podem ser
levadas. Excedem aos tamanhos permitidos. Já imaginou chegar ao aeroporto
carregando o colchão para ser despachado?
As perguntas são muitas... E se eu tiver vontade disto ou daquilo? 
Desisto!
Jogo o que posso no espaço delimitado para minha partida... e vou.
Vez
em quando me recordo de alguma coisa esquecida,
ou então, inevitavelmente
concluo que mais da metade do que levei não me serviu pra nada.
É nessa hora que descubro que partir é experiência inevitável de 
sofrer
ausências.
E nisso mora o encanto da viagem. Viajar é descobrir o mundo que
não temos. É o tempo de sofrer a ausência que nos ajuda a mensurar o valor
do mundo que nos pertence.
E então descubro o motivo que levou o poeta cantar:
“Bom é partir. Bom
mesmo é poder voltar!”
Ele tinha razão. A partida nos abre os olhos para o
que deixamos. A distância nos permite mensurar os espaços deixados.
Por isso,
partidas e chegadas são instrumentos que nos indicam quem somos,
o que amamos e o que é essencial para que a gente continue sendo.
Ao ver o mundo
que não é meu, eu me reencontro com desejo de amar ainda mais o meu
território.
É consequência natural que faz o coração querer voltar ao ponto
inicial, ao lugar onde tudo começou.
É como se a voz identificasse a raiz do grito, o elemento primeiro.


Vida e viagens seguem as mesmas regras. Os excessos nos pesam e nos retiram
a vontade de viver.
Por isso é tão necessário partir. Sair na direção das
realidades que nos ausentam. Lugares e pessoas que não pertencem ao contexto
de nossas lamúrias....
Andar na direção do outro é também fazer uma viagem.
Mas não leve muita
coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá.
Ao adentrar o território
alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito
novo o território que é seu.
Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão
encontrar o outro.

*Viaje leve, leve, bem leve. Mas se leve.*

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