Para João, um velho relojoeiro que vivia sozinho numa casa velha à beira da vila, a festa natalícia não lhe trazia a mesma felicidade que para os outros.
A sua loja já teve melhores dias. Com as novas tecnologias, eram poucos os que se preocupavam em consertar os seus relógios. Era viúvo há mais de uma década e passava os dias em silêncio, na companhia destes marcadores do tempo.
Naquela noite, enquanto todas as casas se preparavam para a consoada, João estava sentado a consertar um velho relógio de bolso. Os ponteiros moviam-se lentamente, o som do tique-taque parecia mais alto do que o habitual e o mecanismo do relógio estava ligeiramente enferrujado.
Do lado de fora, as crianças brincavam e os jovens cantavam as canções
de Natal. João suspirou, a pensar em como a sua casa costumava estar cheia, com
risos, as conversas e o cheiro da comida da sua mulher a encher cada canto.
Agora, a solidão era a sua única companhia.
De repente, um leve toque na porta tirou-o dos seus pensamentos. Era
tarde e João não esperava ninguém. Ao abrir, viu uma menina pequena,
com sete anos, envolta num casaco grande demais para o seu corpo.
“Boa noite, mestre. O meu relógio parou e o meu avô disse que o senhor é o melhor relojoeiro da vila. Pode consertá-lo?” perguntou a criança morena, estendendo-lhe um pequeno relógio de pulso, com uma fita gasta.
João sorriu, surpreso. Fazia muito tempo que alguém não o procurava para consertar um relógio, ainda mais uma criança.
“Claro, entra, menina. Vamos ver o que se passa”, disse-lhe, levando-a para o calor da oficina.
Enquanto trabalhava, a pequena criança contou-lhe que o relógio pertencia à sua mãe, que tinha falecido havia pouco tempo. “Ela dizia que este relógio nunca parava, que o período dele era especial, como os nossos momentos juntas”, disse-lhe com os olhos cheios de lágrimas. “Mas agora ele parou.”
João sentiu um nó na garganta. Aquela rapariga tinha perdido a mãe, mas ainda assim trazia consigo uma esperança simples e inocente, o desejo de ver o relógio da mãe a funcionar novamente. Ele ajustou as engrenagens e com um pequeno movimento do pulso, as batidas voltaram.
“Pronto, está como novo”, disse João, entregando o relógio
à menina, que sorriu, agradecida.
“Obrigado, senhor. A minha mãe dizia que, enquanto o relógio funcionasse, ela
estaria sempre comigo. Agora sei que ela está.”
João acenou, emocionado e viu a menina desaparecer pela
neve. Quando fechou a porta, sentiu algo diferente no ar. Os cliques dos
relógios na sua oficina parecia mais reconfortante e familiar.
Percebeu que, mesmo que as pessoas se vão, as memórias e o amor que partilhamos
permanecem, a marcar os ponteiros do coração.
2 comentários:
Tão bonito.
Uma história que nos enche o coração!
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