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17 de outubro de 2024

MARCAS DO TEMPO

    Era véspera de Natal numa pequena vila cercada de montanhas cobertas de neve. As ruas estavam decoradas com luzes brilhantes e o som das crianças a brincar no meio dos flocos que enchia o ar de alegria.

Para João, um velho relojoeiro que vivia sozinho numa casa velha à beira da vila, a festa natalícia não lhe trazia a mesma felicidade que para os outros.

A sua loja já teve melhores dias. Com as novas tecnologias, eram poucos os que se preocupavam em consertar os seus relógios. Era viúvo há mais de uma década e passava os dias em silêncio, na companhia destes marcadores do tempo.

Naquela noite, enquanto todas as casas se preparavam para a consoada, João estava sentado a consertar um velho relógio de bolso. Os ponteiros moviam-se lentamente, o som do tique-taque parecia mais alto do que o habitual e o mecanismo do relógio estava ligeiramente enferrujado.

 

Do lado de fora, as crianças brincavam e os jovens cantavam as canções de Natal. João suspirou, a pensar em como a sua casa costumava estar cheia, com risos, as conversas e o cheiro da comida da sua mulher a encher cada canto. Agora, a solidão era a sua única companhia.
De repente, um leve toque na porta tirou-o dos seus pensamentos. Era tarde e João não esperava ninguém. Ao abrir, viu uma menina pequena, com sete anos, envolta num casaco grande demais para o seu corpo.

 

“Boa noite, mestre. O meu relógio parou e o meu avô disse que o senhor é o melhor relojoeiro da vila. Pode consertá-lo?” perguntou a criança morena, estendendo-lhe um pequeno relógio de pulso, com uma fita gasta.

João sorriu, surpreso. Fazia muito tempo que alguém não o procurava para consertar um relógio, ainda mais uma criança.

“Claro, entra, menina. Vamos ver o que se passa”, disse-lhe, levando-a para o calor da oficina.


Enquanto trabalhava, a pequena criança contou-lhe que o relógio pertencia à sua mãe, que tinha falecido havia pouco tempo. “Ela dizia que este relógio nunca parava, que o período dele era especial, como os nossos momentos juntas”, disse-lhe com os olhos cheios de lágrimas. “Mas agora ele parou.”

João sentiu um nó na garganta. Aquela rapariga tinha perdido a mãe, mas ainda assim trazia consigo uma esperança simples e inocente, o desejo de ver o relógio da mãe a funcionar novamente. Ele ajustou as engrenagens e com um pequeno movimento do pulso, as batidas voltaram.

“Pronto, está como novo”, disse João, entregando o relógio à menina, que sorriu, agradecida.
“Obrigado, senhor. A minha mãe dizia que, enquanto o relógio funcionasse, ela estaria sempre comigo. Agora sei que ela está.”

João acenou, emocionado e viu a menina desaparecer pela neve. Quando fechou a porta, sentiu algo diferente no ar. Os cliques dos relógios na sua oficina parecia mais reconfortante e familiar. Percebeu que, mesmo que as pessoas se vão, as memórias e o amor que partilhamos permanecem, a marcar os ponteiros do coração.
 

1 comentário:

Paula Campos disse...

Tão bonito.