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11 de dezembro de 2024

Dinamica Dezembro

Auguste Rodin foi um escultor francês do século XIX que revolucionou a escultura moderna. Para além das reconhecidas modulações das superfícies, de inspiração impressionista, também desenvolveu a escultura parcelar, ou seja, que não era a figura humana na totalidade ou o tradicional busto. "A mão de Deus"é um desses fantásticos objetos pétreos.
Também na literatura o discurso pode ser modelado a partir de uma parcela corporal, como as mãos, a mão solitária, quase sem sujeito.
DESAFIO:
- TEMA: a mão;
- TAREFA: escrever uma breve ficção apenas narrando uma mão;
- O sujeito da mão não pode ser descrito física ou psiquicamente;
- Uma mão tem 5 dedos, 5x9=45, 45+9=56; 56+5+6= 67; Usar 67 palavras exatas;
- O narrador é na primeira pessoa (eu), pode ser a mão ou o sujeito da mão, e fala com um destinatário que trata na segunda pessoa (tu);
- DESAFIO: não pode usar nenhuma letra T;

Eu deslizo por superfícies enrugadas,
os dedos dobrados e linhas marcadas de jornadas.
Na minha presença, segues o compasso da minha dança silenciosa.
Inclino-me, recolho as migalhas ou sombras esquecidas.
Exploro as asperezas e as doçuras suaves.
Com energia, desenho as formas no ar.
A cada sinal guardo memórias, nas dobras, uma narração.
Apenas olhas, mas nunca alcanças.
Eu avanço, deixando pegadas que logo se desfazem.

3 de dezembro de 2024

Ronrons e mimos!

Vou escrevendo um conto e a medida que for dizendo Stop muda de letra do
alfabeto: FHGI.

 F- Foram momentos pensativos. Tiro meio-dia de férias, há que pensar na saúde dos que nos querem bem. Fui para casa da minha mãe, abri a janela, para entrar o sol, fraquinho, mas que ainda tinha força para aquecer. E o cheiro das flores...
H- Há momentos em que tudo o que desejamos é aliviar o peso das dores alheias. Quando vemos alguém a sofrer, uma vontade urgente nos invade, arrancar-lhes os sorrisos, oferecer conforto e distrair das aflições, mesmo que por breves instantes. Tentamos contar anedotas, improvisar uma atmosfera leve e carregar o ambiente com um bom humor quase forçado, mas genuíno no afeto.
Hoje, o consolo veio pela cozinha. Preparei uma canja simples, mas feita com cuidado, uma galinha desfiada sem ossos, nadando em caldo quente com massa de cotovelos, aquele tipo que parece abraçar o paladar. Para o prato principal, um bife grelhado, não perfeito, mas honesto, tão firme quanto uma sola de sapato, acompanhado por umas batatas a murro, que liberaram o seu perfume terroso ao toque do azeite.
E, para adoçar o momento, veio o ápice: uma maçã reineta generosamente polvilhada com açúcar e canela, assada até a doçura derreter na boca.
Cada gesto, cada prato, foi pensado para ser a cereja no topo do bolo. Um pequeno ato de amor para a doentinha, uma tentativa de lembrar que, às vezes, o afeto pode ser servido em colheres, com os bocados e aromas.
G- Golo! Acertei precisamente nas receitas perfeitas para momentos como este. Esperei mais um pouco, observando com satisfação as cores a voltarem lentamente às bochechas da doente. Um pequeno sinal de recuperação que me aqueceu o meu coração. Com a sensação de dever cumprido, arranquei de volta para casa.
Mal cruzei a porta, nem tempo tive para respirar. Assim que me sentei, fui cercada por dois caramelos peludos, os guardiões do meu sossego. Um aconchegou-se ao meu colo, ronronando como se fosse um motorzinho de pura felicidade. O outro encostou-se à minha perna, abanando o rabo como quem diz: "Estivemos à tua espera todo o dia".
Sorri, mas a pergunta veio à mente, será que consigo trabalhar? Talvez escrever algo para as minhas adoradas dinâmicas de aventuras? Mas como posso eu, ignorar aqueles olhos? Eles não pediam, exigiam a minha atenção e mimos, cheios de saudades.
Entre ronrons e os olhares cúmplices, percebi que, naquele momento, escrever podia esperar. Afinal, cada gesto deles era como um capítulo de um conto silencioso, feito de carinho, de lealdade e uma cumplicidade que só o amor genuíno sabe escrever.
I- Iria adiar o trabalho, iria escrever os contos com algumas letras, iria ouvir as outras meninas a contar as suas histórias, as suas aventuras. E dar risadas até cair para o lado, o melhor destes encontros online.

1 de dezembro de 2024

O Espelho Proibido

 

No mundo de Kaelar, os espelhos eram mais do que objetos banidos, eram portais para o inexplicável. As lendas sussurravam sobre os reflexos que não refletiam, mas simulavam, os habitantes de um reino invertido, à espera de uma fraqueza, de um momento para se cruzarem. Ninguém ousava desafiar a proibição, exceto Teryn, um aprendiz de alquimista, o qual a curiosidade era tão afiada quanto perigosa.
Num mercado clandestino, encontrou um pequeno espelho de moldura corroída pelo tempo. Entre as moedas trocadas e os olhares furtivos, sentiu o peso do objeto nas suas mãos, como se algo ali o observasse. Ignorou o arrepio. “Medo irracional,” pensou.
No seu quarto, à luz trémula de uma vela, Teryn ergueu o espelho. A princípio, viu-se como sempre, uns olhos verdes atentos e pele pálida. Mas, algo rompeu a normalidade. O reflexo piscou. Ele, não.
Teryn estremeceu. Largou o espelho, mas a imagem não desapareceu. Pelo contrário, sorriu. Um sorriso largo, desafinado e expondo os dentes afiados.
— Finalmente — disse a figura, numa voz rouca que ressoava dentro da mente de Teryn.
Ele tentou desviar o olhar, mas os seus olhos estavam presos. Os seus braços imóveis, não obedeciam. O reflexo, agora autónomo, moveu-se além do limite do vidro, como se a moldura fosse uma janela aberta.
— Devias ter ouvido as histórias, Teryn — zombou a figura, aproximando-se.
Um frio avassalador tomou conta do aprendiz. Sentiu um puxão, como se algo o sugasse para dentro do espelho, para um vazio gelado e insuportável. Quando o pânico deu lugar à realidade, percebeu que não estava mais no quarto. Ele estava do outro lado.
Do vidro, viu o seu próprio corpo, agora habitado pela criatura.
— Agora é a minha vez no mundo real — disse ela, sorrindo, antes de apagar a vela.
Na escuridão opressiva do mundo invertido, Teryn ouviu sussurros infinitos, as vozes indistintas de outros também aprisionados. Algumas vozes choravam, outras suplicavam, mas as piores eram as que gargalhavam, distorcidas pelo desespero que se transformara em loucura.
E então, entendeu, que ninguém escapava do reflexo.

26 de novembro de 2024

Pais das Maravilhas

Vou escrevendo um conto e a medida que for dizendo Stop muda de letra do
alfabeto: ABCDE.

A-Atirei o pau ao gato, mas ele não se mexeu. Apenas fixava no queijo em cima da mesa, com os olhos a brilhar de desejo. Passava a língua pelos lábios, com vontade de atacar o dito cujo sem perder tempo. Mas, hesitou. Olhou de relance para o lado e viu o presunto. Queijo ou presunto? Parecia ponderar como um ladrão indeciso, planeando o próximo roubo. Os seus olhos arregalados brilhavam de gula, e um fio de baba já lhe escorria pelo canto da boca.

B-Borboleta cheia de cores voava inquieta, procurando onde fazer o seu casulo, preparando-se para, curiosamente, transformar-se... em lagarta. Talvez seja aquela lagarta do País das Maravilhas que fumava como um Lorde ou Lady. 

A menina loira de olhos azuis e vestido branco e azul surgiu correndo, perseguindo um coelho branco de relógio na mão. Ela caiu num poço profundo e aterrou num estranho labirinto com muitas portas e uma sala gigantesca. Lá, uma longa mesa aguardava, cercada de criaturas peculiares. 

C-Coelho branco de cartola e relógio liderava o banquete. Ao lado, uma zebra de chapéu de palhaço exibia o seu estilo extravagante. Um caracol gigante com casaco multicolorido pilotava um volante imaginário, enquanto o elefante Jumbo, com um laço impecável no pescoço, se ajeitava na cadeira. A abelha, com suas riscas amarelo-pretas, lambuzava-se de mel sem pudor. 

Por fim, um crocodilo com dentes afiados e um smoking brilhante completava a mesa. No centro da festa, um peru assado, com uma laranja na boca, que decorava a mesa. Estranho. Animais comendo outro animal? 

D-De repente, do meio das ervas altas, surgiu a lagarta a fumar um cigarro, seguida do gato, agora com um sorriso peculiar em forma de queijo redondo e bocados de presunto nos dentes brancos. O coelho  correu para casa em busca de mais cadeiras, garantindo que todos pudessem desfrutar daquele excêntrico jantar de gala. Com cadeiras extras, a mesa ficou ainda mais caótica. O gato, com o seu riso, acomodou-se ao lado do peru assado, observando tudo com aquele ar enigmático de quem sabe mais do que diz. A lagarta, sempre despreocupada, deu uma longa tragada no cigarro e declarou: 

— Que cena estranha... mas apetitosa. Vamos comer ou filosofar? 

Todos riram, exceto o peru, que permanecia em silêncio. A zebra ajustou o chapéu de palhaço, no alto da sua cabeça e orelhas e respondeu: 

— Aqui não se come. Aqui se imagina comer. 

A abelha, lambendo os dedos melados, levantou a mão: 

— Mas eu comi. 

O crocodilo, ajeitando o smoking, lançou um olhar severo: 

— Abelha, não estragues a lógica do jantar. 

E-Enquanto isso, a menina Alice, perdida e confusa, perguntou: 

— Mas o que faço aqui? Vocês são reais? A lagarta riu e soltou uma baforada de fumaça que tomou o ar. 

— Real é o que acreditas que é. Este jantar é tão real quanto o desejo do gato por queijo ou presunto. O gato ronronou, encantado com a referência. Pegou um pedaço imaginário de queijo e o devorou com satisfação teatral. No meio da confusão, o coelho branco consultou o seu relógio e exclamou: 

— Estamos atrasados! Precisamos brindar! 

Com as taças imaginárias erguidas, todos brindaram a algo que ninguém nomeou. A menina, ainda confusa, percebeu que o peru assado havia desaparecido, substituído por um prato vazio. O gato sorriu largamente, lambendo os bigodes. E assim, entre risadas, a filosofia e um jantar que não era bem um jantar, todos desapareceram um por um, deixando a mesa vazia. 

A menina esfregou os olhos e viu-se novamente no jardim, segurando uma folha colada à testa. Ao longe, o gato desaparecia entre as árvores, com um sorriso de queijo no seu rosto, como se tudo não tivesse passado de um sonho.

19 de novembro de 2024

Amarrar o burro

Luz das letras

1.    A céu aberto: ao ar livre

2.    Abandonar o barco: desistir de uma situação difícil

3.    Abotoar o paletó: morrer

4.    Abrir mão de alguma coisa: renunciar alguma coisa

5.    Abrir o coração: desabafar, declarar-se sinceramente

6.    Abrir o jogo: denunciar ou revelar detalhes

7.    Abrir os olhos a alguém: alertar ou convencer alguém de alguma coisa

8.    Acabar em pizza: quando uma situação não resolvida acaba encerrada (especialmente em casos de corrupção, quando ninguém é punido)

9.    Acertar na lata: acertar com precisão, adivinhar de primeira

10. Acertar na mosca: acertar com precisão, adivinhar de primeira

11. Adoçar a boca: conseguir um favor de alguém com elogios

12. Agarrar com unhas e dentes: agir de forma extrema para não perder algo ou alguém

13. Agora é que são elas: momento em que começa a dificuldade

14. Água que passarinho não bebe: pinga ou bebida alcoólica

15. Amarrar o burro: descansar ou se comprometer romanticamente com alguém. 

Uma frase e um mini-conto de 300 palavras:

 

Na vila de Patacas Altas, a rotina de Zé Pancada e o seu burro era o principal entretenimento. Chicote era um verdadeiro Houdini de quatro patas, capaz de se desamarrar de qualquer corda. Sempre que Zé entrava no bar para “uma conversa rápida”, que nunca, o burro escapava, causando uma série de desastres hilariantes. 

Certa tarde, decidido a vencer o burro, Zé amarrou-o com uma corda “indestrutível” ao poste da praça e entrou no bar. “Hoje ele não me engana!”, declarou, confiante. Os amigos riram, pois sabiam como aquilo ia acabar. E acabou, bastou cinco minutos. Chicote já caminhava pela vila com a corda ao pescoço, como se desfilasse com uma gravata de gala, pronto para sua habitual ronda de travessuras. 

Primeiro, invadiu a banca de frutas de Dona Cotinha, devorou três maçãs e empurrou o tabuleiro, espalhando frutas pela rua. “Ó animal desavergonhado!”, gritou Cotinha, sacudindo um pepino na direção dele. Depois, Chicote foi à barbearia do Seu Rufino. Parou em frente ao espelho e balançou a cabeça como se pedisse um corte moderno. “Sai daqui, burro vaidoso! Não tenho tesouras para crinas!”, gritou Rufino, enquanto o burro relinchava, claramente divertido. 

Mas a apoteose foi na igreja. O padre Jeremias, no auge de um sermão sobre paciência, ficou boquiaberto quando Chicote subiu ao altar e começou a mastigar as flores decorativas. “Irmãos, as provações do Senhor vêm em muitas formas. Hoje… vieram com patas!”, suspirou Jeremias, enquanto os fiéis tentavam conter o riso. 

Quando Zé saiu do bar, a vila inteira estava à caça do burro. “Zé Pancada, amarra este demónio como deve ser!”, gritou Cotinha, lançando-lhe uma maçã murcha. Com um relinchar triunfante, voltou calmamente ao poste, como se nada tivesse acontecido. 
Nunca subestime um burro com talento. Em Patacas Altas, Chicote era a verdadeira estrela.

13 de novembro de 2024

Enumeração

Parto amanhã rumo ao Santiago de Compostela, onde as melhores aventuras acontecem.

LEVO: 

Uma bússola pequena para encontrar caminhos secretos (🧭para orientação);

Um mapa real para descobrir estradas escondidas (me diz onde estou e para onde vou);

Duas botas impermeáveis para alguns terrenos imprevisíveis (uma em cada pé);

Duas cordas resistentes para atravessar abismos inclinados (um para descer, outro para subir);

Três livros antigos para desvendar enigmas ocultos (um que conta, outro que nega e outro confirma);

Quatro lanternas luminosas para noites mais escuras (para cada ponto cardeal);

Cinco frascos mágicos para curar ferimentos estranhos (mazelas com olhos, nariz, ouvidos, coração e pés);

Seis amuletos protectores para espantar criaturas ferozes (para seis bichos);

Sete lápis encantados para enviar mensagens necessárias (as cores do arco-íris).

3 de novembro de 2024

Deseducando com as Mãos

 

 As mãos da mãe Júlia, marcadas pelo tempo e pelas responsabilidades, eram firmes, mas guardavam uma suavidade intrínseca, aquela que somente o amor incondicional consegue preservar. Elas seguravam um frágil barco de papel com uma precisão cuidadosa, consciente de que, apesar da sua leveza, carregava os sonhos preciosos. Cada movimento era impregnado de ternura, como se soubesse que aquele pequeno objeto era mais do que papel: era a chave para um mundo que ela mesma ajudava a criar.

As mãos do filho João, pequenas, inquietas e cheias de uma energia vibrante, tocavam no barco com uma ansiedade de quem está a desvendar os mistérios do universo pela primeira vez. O toque infantil, desajeitado, mas cheio de vida, dava forma a novas aventuras a cada instante. Os seus dedos percorriam as dobras do papel como se explorassem um mapa desconhecido, em cada linha era um caminho a seguir, um destino a conquistar.

Entre as mãos da mãe e do filho, o barco de papel transformava-se. Deixava de ser apenas uma dobradura simples e tornava-se um navio corajoso, comandado por um capitão audaz e muitos marinheiros fortes e enérgicos, sempre prontos para enfrentarem os oceanos da imaginação.

Juntos, a mãe e filho, através do toque, criavam um momento de profunda cumplicidade. As suas mãos não só moldavam o barco, mas também o futuro, ia a tecer uma narrativa conjunta onde ambos eram protagonistas de aventuras que ultrapassavam a realidade.

Aquele contacto, possua o seguro e o inocente, entre o conhecido e o inexplorado, era um compromisso. Uma promessa de proteção, de descoberta, de apoio mútuo. As mãos, naquela comunhão silenciosa, tinham o poder de transformar o banal em extraordinário, de educar e, ao mesmo tempo, deseducar, libertando-se das regras para criar um mundo, onde o impossível se tornava possível.

29 de outubro de 2024

Romance numa adega

Do livro “escrita em dia”. O tema será: “adega escura, tira as luvas de pele das mãos e demora a adaptar a escuridão.” , utilizando um ou vários sentimentos: assustada, feliz, ansiosa, prepara armadilha, alegre, adormecida. Mini-conto de 300 palavras. Personagem pode ser homem ou mulher.


Desci à adega em silêncio,
onde o ar carregado de uvas e terra
repousa nos ombros como um peso antigo.
Tirei as luvas de pele,
dedo a dedo,
e o toque do frio ergueu um arrepio.
Na escuridão profunda,
onde o tempo não tem pressa,
esperei que os olhos se acostumassem
à meia-luz que tudo envolve,
os contornos surgem devagar,
um mundo entre as sombras e os silêncios.
Cada passo, um eco abafado,
as garrafas alinhadas, os barris vigilantes,
um local de encontros e segredos.
Em algum lugar, sinto uma presença,
um sussurro que me prende,
e algo adormecido se desperta.
Estou ansiosa, as mãos sem luvas tremem,
o coração acelera entre o pó e o silêncio,
onde a respiração soa como o único som.
Cada barril é um muro,
cada sombra, uma promessa,
cada passo, uma vertigem.
Sigo adiante, onde a penumbra era mais densa,
e sinto o cheiro do vinho,
da madeira e de algo mais profundo
um mistério latente, uma espera que ecoa.
Num canto, vejo uma sombra,
um contorno que emerge do escuro.
O som de uma respiração,
um calor que toca no ar.
Sinto a presença, firme e silenciosa,
sem precisar de luz para reconhecê-la.
E ali, no escuro da adega,
onde os sons são ecos,
ficamos assim, lado a lado,
à espera que a escuridão nos revele
não o rosto, não o nome,
mas a promessa suspensa
entre o toque e o silêncio,
entre o frio do vinho
e o calor da noite.
Na calma, a luz não faz falta;
a noite e a sombra selam o que é nosso,
eterno, como a escuridão.

22 de outubro de 2024

Brincadeira infantil

Na Luz das Letras fizemos um mini-conto com uma brincadeira infantil, com 300 palavras.

Era uma noite de inverno e a chuva batia levemente nas janelas da velha casa. Dentro, um grupo de crianças estavam reunidos na sala, cansadas dos jogos de tabuleiro. Foi então que Carlos sugeriu: “


Vamos jogar ao quarto escuro!”

A excitação cresceu de imediato. O jogo favorito de todos, era simples, mas cheio de adrenalina. Apagaram as luzes e dirigiram-se para o quarto mais pequeno da casa, aquele com apenas uma cama e um armário. As paredes frias e o silêncio da noite tornavam tudo mais assustador.

As regras eram claras, uma criança seria escolhida para ser o "caçador", enquanto as outras se escondiam no escuro. Com as luzes apagadas, não havia como ver alguma coisa, apenas se ouviam as respirações e o som dos pés a tentarem não fazer barulho.

A Maria foi a primeira escolhida como caçadora. Ficou de costas, contando até trinta, enquanto as outras crianças se encolhiam em cantos e atrás de móveis. O quarto, agora imerso numa escuridão total, parecia um labirinto. Cada pequeno movimento ecoava, criando a ilusão de que algo ou alguém se movia nas sombras.

“Pronto, aí vou eu!”, disse Maria com um riso nervoso. Tacteava o ar, os braços estendidos à procura de qualquer sinal dos amigos. As excitações misturavam-se nas suas mãos trémulas. De repente, ouviu um suspiro baixinho e virou-se, tentando seguir o som.

Ao fundo, Pedro estava escondido debaixo da cama, a tapar a boca para não rir. No outro canto, Luísa agachava-se atrás do armário, tentando não respirar muito alto. O quarto parecia mais vasto do que nunca.

Maria aproximava-se lentamente, até que, com um movimento rápido, agarrou o braço de alguém. “Apanhei-te!” Um grito abafado encheu o ar. Todos explodiram em risadas e a luz voltou, revelando os rostos corados e ofegantes.

17 de outubro de 2024

MARCAS DO TEMPO

    Era véspera de Natal numa pequena vila cercada de montanhas cobertas de neve. As ruas estavam decoradas com luzes brilhantes e o som das crianças a brincar no meio dos flocos que enchia o ar de alegria.

Para João, um velho relojoeiro que vivia sozinho numa casa velha à beira da vila, a festa natalícia não lhe trazia a mesma felicidade que para os outros.

A sua loja já teve melhores dias. Com as novas tecnologias, eram poucos os que se preocupavam em consertar os seus relógios. Era viúvo há mais de uma década e passava os dias em silêncio, na companhia destes marcadores do tempo.

Naquela noite, enquanto todas as casas se preparavam para a consoada, João estava sentado a consertar um velho relógio de bolso. Os ponteiros moviam-se lentamente, o som do tique-taque parecia mais alto do que o habitual e o mecanismo do relógio estava ligeiramente enferrujado.

Do lado de fora, as crianças brincavam e os jovens cantavam as canções de Natal. João suspirou, a pensar em como a sua casa costumava estar cheia, com risos, as conversas e o cheiro da comida da sua mulher a encher cada canto. Agora, a solidão era a sua única companhia.
De repente, um leve toque na porta tirou-o dos seus pensamentos. Era tarde e João não esperava ninguém. Ao abrir, viu uma menina pequena, com sete anos, envolta num casaco grande demais para o seu corpo.

“Boa noite, mestre. O meu relógio parou e o meu avô disse que o senhor é o melhor relojoeiro da vila. Pode consertá-lo?” perguntou a criança morena, estendendo-lhe um pequeno relógio de pulso, com uma fita gasta.

João sorriu, surpreso. Fazia muito tempo que alguém não o procurava para consertar um relógio, ainda mais uma criança.

“Claro, entra, menina. Vamos ver o que se passa”, disse-lhe, levando-a para o calor da oficina.

Enquanto trabalhava, a pequena criança contou-lhe que o relógio pertencia à sua mãe, que tinha falecido havia pouco tempo. “Ela dizia que este relógio nunca parava, que o período dele era especial, como os nossos momentos juntas”, disse-lhe com os olhos cheios de lágrimas. “Mas agora ele parou.”

João sentiu um nó na garganta. Aquela rapariga tinha perdido a mãe, mas ainda assim trazia consigo uma esperança simples e inocente, o desejo de ver o relógio da mãe a funcionar novamente. Ele ajustou as engrenagens e com um pequeno movimento do pulso, as batidas voltaram.

“Pronto, está como novo”, disse João, entregando o relógio à menina, que sorriu, agradecida.
“Obrigado, senhor. A minha mãe dizia que, enquanto o relógio funcionasse, ela estaria sempre comigo. Agora sei que ela está.”

João acenou, emocionado e viu a menina desaparecer pela neve. Quando fechou a porta, sentiu algo diferente no ar. Os cliques dos relógios na sua oficina parecia mais reconfortante e familiar. Percebeu que, mesmo que as pessoas se vão, as memórias e o amor que partilhamos permanecem, a marcar os ponteiros do coração.

8 de outubro de 2024

Conto dramático sobre o mau tempo

 O céu estava cinzento há dias. O vento uivava incessantemente, batendo contra as portas e janelas como se quisesse entrar, enquanto o país inteiro parecia preso numa tempestade sem fim. As ruas, outrora movimentadas, estavam desertas, tomadas por poças e lençóis de água e detritos arrastados pela força implacável das chuvas. O som das sirenes ecoava de longe e as notícias transmitiam, em tom grave, o rastro de destruição que o mau tempo deixava. E diziam que o pior ainda estava por vir.

 As pontes estavam limitadas, as escolas fechadas, os rios transbordavam e as estradas tornaram-se armadilhas traiçoeiras. As casas inundadas, as árvores caídas e o medo estampado nos rostos das pessoas. Muitos não conseguiam voltar para casa. As famílias separadas, sem saber o destino dos seus entes queridos. O vento parecia arrancar da terra o que fosse mais vulnerável, como se testasse a resistência de todos.

Na aldeia de Pedrógão, a chuva transformou o pequeno rio numa corrente furiosa, que invadiu as casas e arrastou o que encontrou pela frente.

Maria, uma mulher de oitenta anos, assistia impotente ao seu jardim a ser engolido pela lama. O lugar onde plantara flores durante décadas estava agora submerso, irreconhecível e com ele, o passado que tanto valorizava.

Na cidade, as luzes intermitentes revelavam o caos – bairros sem eletricidade, a água por todo o lado, autocarros e carros atolados e os ventos fortes levavam telhados como se fossem de papel.

Os hospitais estavam lotados, as equipas de resgate exaustas. O país, de norte a sul, parecia estar de joelhos perante a força incontrolável da natureza.

Enquanto as pessoas se refugiam, à espera por uma trégua e o sentimento de impotência cresce. Nada se podia fazer. O mau tempo assola não só a terra, mas também o coração de um povo que, na esperança de dias melhores, tenta resistir à escuridão.

25 de setembro de 2024

Devaneio Inflamável!

A dinâmica "Luzes da Escrita
" teve morte, sangue e algum suspense misturado.
⭐O exercício é: escrever um mini conto de terror, com até 150 palavras e com o tema «fazer pior»;
😜 estas noites já não são trabalho... são um prazer! Meu mini conto:

Estava encostada à berma da bomba de gasolina, terminando uma conversa com uma amiga de longa data ao telemóvel. Ríamos de histórias antigas até que finalmente desliguei, pronta para seguir viagem.

Encaminhei o carro para a bomba, distraída pelos pensamentos. Levantei a mangueira sem verificar se estava vazia e de repente, a gasolina jorrou sobre mim. O líquido frio empapou-me as roupas, os sapatos e parte do corpo.

Por um instante, uma imagem aterrorizante passou pela minha mente: alguém acendendo um cigarro. Imaginei o cheiro da carne queimada, o esturricado do meu corpo em chamas, salpicando sangue, tudo por causa daquele pequeno descuido.

Congelei-me, era como se tivesse transformado uma simples distração num desastre iminente. O erro e a sensação de ter feito tudo pior sufocava-me. Até que a jovem senhora da bomba chamou a minha atenção e percebi que era um devaneio. Foi só umas gotas.

22 de setembro de 2024

Mini conto sem verbos...

Desafio que alguém colocou no Facebook, que achei interessante! 

Ex: Uma gaiola com cabeça, tronco e membros, morta, sem coração no poleiro. Portinhola aberta e um pássaro de volta da gaiola à vida.

 

Uma menina na rua, de roupa rasgada, sem comida e sem sapatos.
Sem pai e sem mãe, sozinha neste mundo cruel.
De olhos tristes e lágrimas silenciosas no rosto.
Uma carrinha de apoio aos sem-abrigo e uma sopa quente nas mãos pequenas.
Um pedaço de cartão e um colchão no chão, ali na esquina.
Umas mantas quentes para a noite fria e escura.
E um peluche como única companhia segura.

18 de setembro de 2024

Luz das letras e os provérbios populares

Aproveitei o dia que o Pais arde sem cessar para escrever a narrativa da "Luz das letras",  até 300 palavras (316) utilizando um ou mais provérbios populares (8).
Deus ajuda quem cedo madruga e aquele escritor que não é gato escondido com rabo de fora.

Enquanto conduzo de regresso a casa, avisto ao longe perto do horizonte, um sol alaranjado encoberto por uma grande sombra cinzenta. Ao contrário do que dizem, "longe da vista, longe do coração", esta visão enche-me de tristeza. Sinto-me como um cão que ladra, mas não morde, revoltada com as atrocidades humanas.

Agosto passa e tudo parece em ordem: os bombeiros em alerta, as bermas limpas, as vistorias dos terrenos. Mas chega Setembro e com ele o vento, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e a negligência toma conta.

Parece tudo um grande negócio, lucra-se com a madeira queimada e as florestas em cinzas são aproveitadas para plantar sobreiros ou instalar painéis solares. E o resultado? Nada cresce e o desmatamento transforma-se em especulação imobiliária. Em toda à volta crescem casas e depois reclamam do calor e da falta dos espaços verdes, no local aonde um dia já fez parte da natureza.

O velho ditado "cada cabeça, a sua sentença" nunca fez tanto sentido. Há muitas palavras, promessas e planos, mas pouco se concretiza. Os políticos aparecem, o governo se pronuncia, mas a mudança real parece sempre distante.

Quem provoca incêndios pode não ser o único culpado, mas devia sentir na pele o que é estar na linha da frente, combatendo o fogo, “quem brinca com o fogo queima-se”, que sentissem o calor, as queimaduras e o desespero.

O clima está instável. “Por morrer uma andorinha não acaba a Primavera“, mas parece que a natureza está a morrer aos poucos. Não há árvores suficientes para conter o calor crescente que avança do deserto.

Dizem que "o sol quando nasce é para todos", mas com tanto fumo e cinzas no ar, talvez não seja para alguns. Imaginar que as cinzas representem os animais, as árvores e até as pessoas é doloroso.

Enquanto há vida, há esperança, mas por quanto tempo mais?

3 de setembro de 2024

Dinâmica Luz das letras: Um homem terá de escolher uma de duas malas.

Segunda dinâmica: Um homem terá de escolher uma de duas malas. Uma delas é a mala do «passado» a outra a mala do «futuro». Deve escrever uma narrativa até às 300 palavras onde mostre a opção escolhida. 
Dicas: O que contém? Como é que encontra as malas? Alguém as oferece? Escolhe uma mala ou outra em detrimento do quê?
Numa esplanada à beira do mar sereno, sob o calor abrasador do verão, eu estava sentada em frente a um homem, saboreando uma bebida refrescante. A conversa fluía de maneira tranquila, mas, naquele dia, as palavras me escapavam com facilidade. Havia um enigma que rodopiava em minha mente, algo que precisava resolver para esclarecer as dúvidas que me perseguiam.
Fixei meu olhar nele e disse calmamente: "Tenho aqui duas malas de cartão, e terás que escolher uma com cuidado. Em uma delas está o passado, onde tens o conhecimento de tudo o que já aconteceu. Sabes como reagir a cada situação, já conheces os caminhos. Na outra, está o futuro, um desconhecido completo. Nada sabes sobre ele. Cada momento será uma nova aventura, cheia de surpresas e incertezas. Qual escolherias? Pensa bem, porque a tua resposta trará uma decisão minha."

Ele ficou em silêncio por alguns minutos, contemplando o mar, como se buscasse inspiração nas ondas tranquilas que iam e vinham. E então, com uma serenidade inabalável, olhou-me diretamente nos olhos e respondeu, sem hesitação:


"Escolho a mala do futuro. Faço essa escolha com a certeza de que terás comigo nessa jornada, ao meu lado, em cada decisão e escolha que a vida nos apresentar. Estarás comigo nos momentos bons e nos difíceis. E, assim como eu, tudo o que for novo para mim será também para ti. Juntos, enfrentaremos o desconhecido, remando na mesma direção, como parceiros de vida."

Aquelas palavras, carregadas de certeza e ternura, tocaram meu coração de uma forma indescritível. E foi assim que decidimos, de forma simples e natural, unir nossas vidas. Tornamos marido e mulher, prontos para o que quer que o futuro nos reservasse, certos de que, qualquer que fosse o destino, estaríamos sempre juntos
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29 de agosto de 2024

Eu sou ELEFANTE CROMADO e gosto de ASSUSTAR TURISTAS AZUIS


Agosto rima com gosto, primeira pessoa do verbo gostar. O eu literário é frequentemente um eu ficcional, um eu falso, um eu-outro. O exercício de ser o outro é a maior qualidade de um escritor, exigindo o mesmo trabalho interpretativo que se exige a um ator. Como agosto rima com gosto, vamos ao desafio de sermos um eu-outro com possibilidade de desvios delirantes e, quem sabe, fantásticos.
DESAFIO:
- Escrever seis frases, consequentes ou não, de exatamente 10 palavras;
- Cada frase obedecerá ao seguinte esquema: EU SOU... (+1 substantivo+1adjetivo) ... E GOSTO DE... (+1verbo+1substantivo+adjetivo);
- O desafio não é a procura de lógica, mas o de criatividade e espanto;
- Exemplo: Eu sou ELEFANTE CROMADO e gosto de ASSUSTAR TURISTAS AZUIS.

Eu sou AVE RARA e gosto de MANDAR BOCAS FOLEIRAS
Eu sou LOUCA PSICOPATA e gosto de BRINCAR COM TESOURAS AFIADAS
Eu sou PESSOA CALMA e gosto de LER LIVROS ROMANTICOS
Eu sou MACACA PELUDA e gosto de FAZER MACACADAS MACABRAS
Eu sou CAMINHANTE DO MUNDO e gosto de MERGULHAR NO PROFUNDO MAR
Eu sou ESPERTA SALOIA e gosto de ARMAR EM AMAZONA ANDANTE


27 de agosto de 2024

Livro «Fernão Capelo Gaivota», de Richard Bach


"A obra é uma metáfora sobre a importância de seguirmos os nossos sonhos e desafiarmos convenções. O livro é uma celebração da individualidade e do autoconhecimento."

A importância da liberdade de fazer o que mais deseja, de voar mais alto e alta velocidade.
A inconformidade dos outros do  mesmo bando, fez com que ele fosse banido e que tivesse novas aventuras.
Com amor e perdão consegue dar a volta a tudo e retomar a vida.

22 de agosto de 2024

Burnout

Dinâmica com as palavras escolhidas na "À LUZ DAS LETRAS"

'Não aguento mais!' ou 'atingi o meu limite!' podem ser os desabafos de quem sofre da chamada Síndrome de ‘Burnout’.

Considero ‘Burnout’, uma depressão com incidência no ‘stress’ crónico. A depressão sempre existiu e muito gente já passou por isso. Mas este, junta-lhe o ‘stress’ ou os problemas com o trabalho que gostamos de fazer.

No ano passado, senti isso. Descontente com algumas coisas que aconteceu com o trabalho e retive dentro de mim. Engolia em seco, entregava-me aos jogos de telemóvel, perdia a calma e irritava-me com outras pessoas, somente para não ter maiores problemas. E com isso, provocava-me problemas com a saúde, voltei a ter problemas com o estômago, dores de cabeça que passou a ser todos os dias e as tonturas vinha do nada.

Comecei a pensar que tenho de mudar alguma coisa para ter um pouco de paz e tranquilidade que tanto procuro. Falei com uma amiga que me deu claridade da situação. Tenho de pensar noutras soluções, dar tempo ao trabalho, melhorar a saúde, que é importante e ter uma atividade, um passatempo.

Eu tenho o poder de dar a volta a situação. Sempre fui contra as depressões, contra o não fazer nada e contra os medicamentos que nos deixam fora de nós. Foi quando apareceu esta formação da Escrita da Analita Santos, que me ajudou a desviar a minha mente para outros assuntos. Pegar no meu manuscrito que está na gaveta, há muito tempo e aperfeiçoar a minha linguagem portuguesa, seja para escrever, seja para falar.

Neste momento, o trabalho corre dentro dos possíveis, a saúde melhorou e espero melhorar brevemente. E o manuscrito a correr às maravilhas, a aprender palavras e conceitos novos. Finalmente, a ter sombra para escrever, sol para divagar e navegar nos livros interessantes e emocionantes.