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14 de fevereiro de 2025

Meu Amor, Minha Essência

No silêncio da noite, penso em ti,
És a luz que ilumina o meu existir.
O teu sorriso é sol, doce e subtil,
O teu abraço, o refúgio que me faz sorrir.

Desde o instante em que te encontrei,
O meu mundo ganhou nova direção.
Nos teus olhos, um caminho encontrei,
No teu amor, nasceu a minha paixão.

Cada dia contigo é um poema novo,
Escrito em versos de paz e calor.
És o sonho que tanto renovo,
Minha razão, meu eterno amor.

No frio da vida, és meu cobertor,
Que aqueces a minha alma com ternura.
Se és primavera, sou teu fervor,
Vivemos em nós a mais bela aventura.

Quero ser o porto onde sempre ancoras,
Nos ventos que sopram, firmar-te ao chão.
Amar-te nas horas calmas e agora,
Ser a tua metade, a tua consolação.

Assim termino, com o coração aberto,
Prometendo amar-te até ao fim.
Nos caminhos da vida, sempre por perto,
Meu eterno amor, és tudo para mim.

Participei e selecionada para constar na Coletânea de Cartas de Amor “Três Quartos de Um Amor".

11 de fevereiro de 2025

Cinzas da Libertação


Luz das Letras: Escreva uma frase curta (máximo 20 palavras) relacionada com o elemento (fogo). Depois, crie um texto onde contenha a frase que criou (até 300 palavras).
 
As chamas dançavam ao vento, consumindo a madeira crepitante, enquanto a luz dourada refletia nos olhos fascinados da jovem observadora. Clara permaneceu imóvel, sentindo o calor envolver-lhe o rosto, o cheiro intenso da madeira queimada a invadir-lhe os pulmões. Não recuou. Aquele fogo não era apenas destruição, era uma libertação.

Horas antes, encontrara-se sozinha na velha casa, onde as paredes sufocavam ecos de gritos e lágrimas do passado. O cheiro a mofo misturava-se com lembranças cortantes. Ali crescera, entre silêncios esmagadores e palavras afiadas como lâminas. Cada canto daquele lugar exalava dor, as sombras pareciam sussurrar segredos que ela desejava esquecer. Mas agora, segurava a caixa de fósforos, os dedos cerrados, o coração acelerado. Era chegada a hora.

O primeiro fósforo acendeu-se num estalido breve, uma centelha frágil entre os seus dedos trémulos. Hesitou. Um nó apertava-lhe o peito, mas era um aperto diferente, não de medo, mas de despedida. Pensou nos anos roubados, no sofrimento engolido em silêncio e então, soltou um suspiro profundo. Deixou cair a pequena chama sobre as cortinas envelhecidas. O lume rastejou por elas, crescendo, devorando, transformando tudo num inferno dourado.

O fogo rugiu, subindo faminto pelas paredes como serpentes de luz. Clara recuou para o jardim, onde o frio da noite beijava-lhe a pele em contraste com o calor abrasador que consumia o passado. As chamas iluminavam o céu negro, dançando como espíritos vingativos. A sua respiração era leve, os ombros já não carregavam o peso de outros tempos.

Quando as sirenes soaram ao longe, Clara não se moveu. O medo não existia e o arrependimento nunca chegaria. O passado ardia diante dela, reduzindo a cinzas e na sua alma, só restava liberdade. Fogo destruía, mas também purificava.

E naquela noite, Clara renasceu das suas próprias chamas.

5 de fevereiro de 2025

Luz das Letras com as palavras vela, flores e livro.

A vela tremia ao sabor de uma brisa invisível quando Helena abriu o livro. O cheiro das flores espalhadas pelo chão misturava-se com o aroma antigo do papel, criando um perfume que a transportava para tempos esquecidos. O silêncio era sufocante, pesado como um luto antigo, apenas interrompido pelo som do seu próprio coração a martelar contra o peito. Ela viera em busca de respostas. Durante anos, ouvira sussurros sobre um livro que concedia desejos a quem soubesse lê-lo. Agora, com as mãos trémulas, percorria as páginas cobertas de símbolos que pareciam mover-se sozinhos. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha quando as palavras começaram a brilhar, uma luz fria e faminta. “Diz o teu desejo”, murmurou uma voz etérea, gélida como o vento de um túmulo aberto. Helena hesitou. Poderia pedir tantas coisas, riqueza, amor, poder, mas havia apenas um desejo gravado na sua alma, uma ferida aberta que nunca cicatrizara. "Quero ver a minha mãe outra vez." O vento soprou com uma força desumana, apagando a vela num sussurro de sombras. As flores murcharam num instante, estalando como vidro partido. A sala foi engolida pela escuridão e o livro aqueceu até queimar as suas mãos. Soltou um grito, mas a dor desvaneceu-se quando uma luz fantasmagórica se ergueu diante dela. E então, ali estava. A figura delicada da sua mãe, os olhos marejados de saudade, um sorriso que escondia a dor de um tempo roubado. As lágrimas de Helena caíram descontroladas. "Mãe…", sussurrou. Tentou tocar-lhe, mas sentiu apenas o vazio frio do ar. A mãe esboçou um último olhar, os seus contornos já a desvanecerem-se como fumo levado pelo vento. "O tempo é breve", sussurrou ela e a sua voz ecoou como um lamento perdido no espaço entre os vivos e os mortos. Helena gritou, tentou agarrá-la, mas tudo desapareceu num instante. O livro caiu no chão, inerte, as páginas agora em branco, como se nunca tivessem contido magia alguma. A vela reacendeu-se sozinha, lançando sombras dançantes contra a parede. Restavam apenas as flores caídas, frágeis e quebradas, como testemunhas silenciosas de um desejo concedido… e perdido para sempre.

2 de fevereiro de 2025

Burlas e enganos


O relógio marcava as três da manhã quando Pedro verificou as mensagens no telemóvel. "Mais um cliente ansioso para investir", pensou, sorrindo, enquanto os dedos deslizaram pelo ecrã, frios e calculistas. Nos últimos anos, tinha refinado a sua arte, fingia ser agente imobiliário, vendendo sonhos que nunca se tornariam realidade. Uma mentira bem contada valia milhares de euros. E ele contava-as sem pestanejar.
Desta vez, o alvo era Henriques, um jovem casal desesperado por encontrar casa própria. Pedro usou as mesmas estratégias de sempre, fotografias de casas luxuosas, contratos falsificados, um site profissional que sumiria assim que recebesse o pagamento. "É a oportunidade da vossa vida. Se não aproveitarem agora, amanhã já não há hipótese", insistiu, injetando urgência na sua voz. Henrique hesitou, mas o medo de perder a suposta oportunidade venceu. Em poucos minutos, os 15.000 euros estavam na conta de Pedro.
Na manhã seguinte, apagou todos os vestígios da sua existência digital e partiu para outra cidade, levando a sua família consigo. Era assim que operava, saltava de região em região, um fantasma no mundo dos negócios. Mas desta vez, algo estava errado. Desde que saíra da cidade, sentia um peso no peito, um arrepio constante na espinha. De noite, ouvia as batidas na porta do quarto do hotel, mas nunca via ninguém. Começou a ter pesadelos com rostos distorcidos, olhares vazios e mãos que tentavam agarrá-lo das sombras.
Certa madrugada, ao abrir o e-mail, encontrou uma mensagem sem remetente: "Sabemos quem és. Estamos à tua espera." O coração acelerou, os dedos tremiam sobre o ecrã. Saiu apressado, mas na receção do hotel, a recepcionista entregou-lhe um envelope. Dentro, havia uma fotografia sua, capturada no momento exacto em que enganava o casal Henriques. No verso, uma única frase escrita a vermelho: "A tua dívida será paga em sangue."
Pedro tentou fugir, mas em cada cidade para onde se escondia, os sinais tornavam-se mais evidentes. Reflexos distorcidos nos espelhos, sombras que se moviam sem explicação, vozes sussurradas ao pé do ouvido.
 O caçador tornara-se presa.
Na última noite, antes de desaparecer por completo, Pedro trancou-se no quarto e escreveu uma única mensagem para Miguel, o primo que lhe emprestara dinheiro para iniciar os golpes, sem ele saber: "Perdoa-me. Não queria ser assim. Mas agora… agora é tarde demais."
Depois disso, ninguém nunca mais o viu.

21 de janeiro de 2025

O Jardim dos Sete Amores

 

No coração de uma vila esquecida pelo tempo, havia um jardim mágico. Diziam que quem atravessasse o portão enferrujado encontraria flores que simbolizavam as diferentes formas de amar, cada uma com um perfume único, capaz de transformar até o coração mais inquieto. Foi com esta promessa que Lara, uma jovem à procura de respostas para as turbulências do seu coração, decidiu aventurar-se naquele lugar enigmático.

Ao empurrar o pesado portão, foi recebida por um aroma suave e uma brisa que parecia carregada de murmúrios antigos. O caminho de pedras irregulares conduzia a uma flor de pétalas azuis tão delicadas que pareciam feitas de veludo. Uma voz sussurrante ergueu-se do nada:
— Eu sou o amor-próprio. Não sou egoísmo, mas o respeito que deves a ti mesma. Sou a força para dizer “não” e a sabedoria de saber que mereces mais.

Lara ajoelhou-se, tocando a flor. O perfume doce preencheu os seus pulmões, trazendo-lhe memórias de momentos em que ignorou a sua intuição para agradar aos outros. Pela primeira vez em muito tempo, respirou fundo e sentiu um peso desaparecer.

Mais adiante, um denso arbusto de rosas-vermelhas ergueu-se imponente, o seu aroma intenso e quente a envolver. Uma nova voz, apaixonada e quase feroz, manifestou-se:
— Eu sou o amor romântico. Sou o fogo que aquece e ilumina, mas também posso queimar.

Lara hesitou antes de tocar numa pétala aveludada, recordando momentos em que o seu coração parecia explodir de alegria, mas também as noites em que chorou até adormecer.
— Por que feres tanto? — murmurou.
— Porque sou humana — respondeu à flor. — Nem sempre sou justa, mas sou sempre verdadeira.

Seguindo o caminho, Lara encontrou um campo de malmequeres-amarelos que dançavam ao sabor do vento.
— Nós somos o amor entre amigos, o laço invisível que une almas sem cobranças.

Ajoelhando-se entre as flores, Lara sentiu os olhos encherem-se de lágrimas. Lembrou-se de Kica, a amiga de infância com quem nunca perdera o contacto, e de todas as risadas e partilhas que viveram.
— Somos o abraço que consola, a gargalhada que cura, a saudade que aquece. Cultiva-nos e nunca estarás sozinha.

Mais adiante, sob a sombra de uma árvore frondosa, cresciam flores brancas que pareciam brilhar como pequenas estrelas.
— Eu sou o amor incondicional — disse a árvore com uma voz profunda e serena. — Sou o amor que os pais sentem pelos filhos, o que te faz continuar a amar alguém mesmo quando tudo se dificulta.

Lara pousou a mão na casca rugosa da árvore e sentiu o calor de todas as vezes que encontrou refúgio nos braços da sua mãe. Um sorriso tímido surgiu no seu rosto, misturado com uma lágrima de gratidão.

Ao virar uma esquina, uma trepadeira lilás enroscava-se graciosamente numa cerca enferrujada.
— Eu sou o amor altruísta, aquele que dá sem esperar retorno. Sou o amor que sacia a fome do faminto, consola o triste e luta por um mundo melhor.

Lara recordou os momentos em que ajudou desconhecidos, pequenos gestos que iluminaram dias cinzentos. A flor parecia exalar uma energia que aquecia a alma, uma lembrança de que o verdadeiro amor não conhece fronteiras.

No canto mais sombrio do jardim, uma flor negra e solitária chamou a sua atenção. Era de uma beleza misteriosa, quase assustadora.
— Eu sou o amor perdido, o reflexo das despedidas e das saudades. Não sou mau, sou o contraste necessário para valorizares os outros amores.

Ao tocar a flor, Lara sentiu uma pontada de tristeza, mas também de aceitação. Lembrou-se de partidas, de despedidas dolorosas, mas percebeu que o amor perdido nunca é esquecido, transforma-se em memórias que moldam quem somos.

Por fim, chegou ao centro do jardim, onde uma flor dourada irradiava luz suave, como se guardasse o próprio sol no coração das suas pétalas.
— Eu sou o amor universal — disse a flor, com uma voz que parecia ecoar em todo o jardim. — Sou a essência da vida, o elo que conecta tudo o que existe. Sem mim, nada floresce.

Lara tocou a flor dourada e sentiu o seu coração expandir, como se todo o universo fosse-lhe revelado. Era um amor maior, que transcendia todas as formas que encontrara até ali, unindo-as num ciclo eterno de dar e receber.

Quando deixou o jardim, Lara não era mais a mesma. Cada flor que encontrara representava um pedaço da sua alma, um reflexo das complexidades do amor. Compreendeu que amar não é uma experiência única, mas um mosaico infinito, onde cada peça tem o seu lugar.

Ao regressar à sua vida, Lara sentiu-se renovada. O mundo parecia maior e mais luminoso. Estava pronta para amar — e ser amada — em todas as formas possíveis, sabendo que cada amor, na sua diversidade, fazia parte do mesmo jardim que florescia no seu coração.

19 de janeiro de 2025

Fama


Lúcia sempre sonhara com a fama. Desde criança, encantava-se com os aplausos e os holofotes. Aos vinte e cinco anos, o sonho tornou-se real, uma estrela de cinema adorada por milhões. Mas a fama trouxe mais do que imaginara.

Certa noite, ao regressar do set de filmagens, encontrou uma carta na sua mansão, selada com cera preta. Não havia remetente, apenas uma mensagem perturbadora: "Tudo o que brilha tem uma sombra. Estás preparada para a tua?"

Lúcia tentou ignorar o aviso. Mas algo mudou. Sempre que passava pelo enorme espelho da sala, notava uma figura que não correspondia aos seus movimentos. Ao posar para as fotografias, um vulto indistinto aparecia ao fundo. Nos dias seguintes, os sonhos tornaram-se pesadelos, um murmúrio constante ecoava no escuro, como uma plateia invisível aplaudindo freneticamente.

Com o tempo, Lúcia começou a sentir-se observada, mesmo quando estava sozinha. O vulto no espelho ganhou contornos, um rosto pálido, com olhos vazios e um sorriso largo, que parecia sussurrar algo inaudível. Lúcia gritava, mas ninguém ouvia.

Uma noite, enquanto descia para a cozinha, ouviu passos atrás de si. Ao virar-se, viu a sombra, agora completamente sólida. Era ela mesma, mas mais alta, mais esguia, com uma expressão distorcida de prazer.
— Quem és tu? — perguntou Lúcia, tremendo.
— Eu sou aquilo que criaste — respondeu à sombra, com uma voz seca. — A fome por aplausos. A máscara que usaste. Eu sou o preço da tua fama.

Lúcia tentou fugir, mas a sombra perseguiu-a. Cada canto da casa estava ocupado por imagens suas: cartazes, prémios, capas de revistas. A sombra crescia com cada memória de glória.

Quando a manhã chegou, Lúcia desaparecera. No espelho, uma única frase escrita a sangue: "A fama tem um custo. Eu sou o teu."

As luzes apagaram-se, e o mundo esqueceu o nome de Lúcia. Afinal, uma nova estrela surgia, pronta para pagar o mesmo preço.

8 de janeiro de 2025

Desassossego do alfaiate

Actividade do desassossego 
Até 300 palavras
Palavra no fim e no início: Não 
Frase no meio: "Tem gente que cose para fora eu coso para dentro". Clarice Inspector

Não era possível encontrar sossego naquela sala de costura. Ernesto, o alfaiate mais célebre da vila, vivia num turbilhão de ideias e de stresses. Entre as agulhas, botões e linhas, havia um emaranhado de pensamentos que ele não conseguia desembaraçar. 
Naquela tarde, quando dona Olga entrou com o seu vestido de cetim, Ernesto já estava à beira de um ataque de nervos. 
"Preciso disso para o casamento da minha sobrinha! Mas, por favor, nada extravagante. Só um pequeno ajuste aqui e ali." O que parecia simples para qualquer costureiro comum era para Ernesto um dilema filosófico. 
Ele olhou para o vestido como quem encarava um enigma. "Tem gente que cose para fora, eu coso para dentro", murmurou, enquanto a tesoura tremia na sua mão. Olga franziu a testa. 
"Como assim para dentro, Ernesto?!" 
"É o desassossego, dona Olga! Cada ponto que dou, é como costurar a minha própria ansiedade. Sabe o que é isso? Colocar cada pedacinho da alma numa bainha? É um trabalho perigoso!" 
Olga, sem paciência, revirou os olhos. 
"Só quero um vestido que me sirva!" 
Entre as linhas que se embaraçavam e um Ernesto cada vez mais perdido nas suas reflexões, o vestido começou a ganhar vida, mas não como esperado. A barra estava torta, os ombros assimétricos e um zíper improvisado apoiava como obra de arte moderna. 
"Pronto!", exclamou Ernesto, suado, porém orgulhoso. 
Olga, atónita, vestiu-se.
"Isso é uma piada, Ernesto?! Parece que vesti o desassossego em pessoa!" 
Ele, com ares de um artista incompreendido, rebateu: "Minha senhora, é uma obra de vanguarda!" 
Olga saiu bufando, com o vestido na mão e Ernesto, aliviado, finalmente encontrou um instante de paz. Mas ao olhar para a pilha de encomendas, suspirou: "Não."

5 de janeiro de 2025

Depois da Tempestade

 

Tudo parecia normal naquela manhã, até que o céu começou a escurecer de maneira antinatural. Era como se uma mão invisível apagasse a luz, deixando apenas sombras opressivas. O ar ficou pesado e então a tempestade veio, implacável. 
Uma chuva torrencial desabou com a violência de uma ira ancestral, acompanhada por trovões e relâmpagos tão intensos que faziam vibrar não só as janelas, mas as almas.
Em minutos, as ruas foram curvadas por rios furiosos. Os túneis tornaram-se armadilhas aquáticas, engolindo carros que flutuavam, impotentes. Os gritos misturavam-se ao som do vento, um coro de pânico e desespero. As pessoas lutavam contra a corrente, enquanto outras, encurraladas em telhados, erguiam as mãos num apelo desesperado. A força da água parecia viva, implacável.
Uma árvore centenária foi arrancada do solo como se fosse feita de papel. As telhas, as placas e os destroços eram arremessados pelo ar. 
Dentro de casa, Clara assistia ao caos pela janela, tinha os olhos cheios de medo. A água já começava a infiltrar-se pelo primeiro andar. Os seus filhos, encolhidos ao seu lado, choravam de pavor.
— Vai ficar tudo bem — mentiu Clara, enquanto apertava os pequenos contra si. O coração martelava no seu peito. Cada estalo da madeira, cada ruído do vento pareciam presságios de um fim iminente.
Decorreram-se horas até que a tempestade, finalmente, começou a ceder. A chuva tornou-se um sussurro e o vento perdeu a sua fúria. Um silêncio espectral envolveu a cidade, tão denso que parecia carregar o eco do sofrimento. Clara, com as pernas trémulas, abriu a porta. A lama cobria tudo e o ar cheirava a destruição.
A visão era desoladora, os carros empilhados como brinquedos, as árvores despedaçadas, as casas mutiladas. Mas algo brilhou entre as nuvens despedaçadas. O sol, tímido, surgiu, lançando uma luz cálida sobre um cenário de ruína. Clara fechou os olhos e respirou fundo, sentindo o calor no rosto.
— Vamos recomeçar — disse aos filhos, a voz firme apesar da dor. A tempestade deixara marcas profundas, mas dentro dela, a esperança permanecia inabalável. Entre os escombros, Clara sabia que o verdadeiro poder estava em resistir e reconstruir.

30 de dezembro de 2024

A viagem mórbida

O relógio da estação marcava exactamente vinte e três horas quando o último comboio partiu, rasgando a quietude da noite. A locomotiva deslizava pelos trilhos como um predador silencioso e o som compassado do motor era a única companhia da escuridão. Lara, envolta num casaco que pouco fazia contra o frio, ajustou-se no assento. O veludo, outrora rico e convidativo, estava agora desgastado e áspero ao toque, refletindo anos de abandono.
O vagão permanecia vazio. A ausência de outros passageiros criava um silêncio quase palpável, apenas interrompido pelo ritmo hipnótico dos trilhos. Lá fora, o mundo parecia ter sido engolido por uma noite eterna. A paisagem era um abismo escuro, sem qualquer sinal de vida ou luz. Nenhuma aldeia distante, nem estrelas ou lua para quebrar o vazio. Ela observou o cenário, sentindo um desconforto que crescia à medida que os quilómetros passavam.
“É como viajar por um sonho quebrado”, pensou, tentando afastar a sensação de estranheza.
O comboio avançava e o embalo dos movimentos começava a agir sobre ela. As pálpebras tornaram-se pesadas e o cansaço acumulado finalmente venceu. Por breves momentos, entregou-se a um sono inquieto, embalado pelo som monótono do metal contra o metal.
Foi então que um solavanco forte a arrancou abruptamente da inconsciência. O coração disparou e os olhos abriram-se, confusos. Algo estava errado, acontecia alguma coisa. A locomotiva desacelerava, um pouco fora do normal, considerando que nenhuma estação deveria surgir até ao destino. Espreitando pela janela, os seus olhos fixaram-se numa placa enferrujada que emergia do escuro como um fantasma. As letras desbotadas formavam uma mensagem simples, mas carregada de um presságio terrível: “FIM DA LINHA”.
Um arrepio percorreu-lhe o corpo e apertou o casaco contra si, tentando afastar os calafrios. Aquele nome, aquela paragem, não fazia parte da rota. O comboio parou por completo. Um silêncio mais profundo do que qualquer outro instalou-se. As luzes do vagão começaram a piscar sem cessar, lançando sombras em movimento contra as paredes e o chão, criando formas escuras que pareciam dançar na periferia da visão.
— Está tudo bem? — perguntou a si mesma, mas as palavras soaram ocas, como se não pertencessem àquele lugar.
A luz extinguiu-se de vez, mergulhando-a numa escuridão densa. Lara respirou fundo, tentando conter o pânico. Os seus sentidos pareciam amplificados pelo vazio ao seu redor e foi então que ouviu o primeiro som, os passos.
O eco suave e arrastado vinha do longo corredor, aproximando-se lentamente. O som ressoava no vagão como se estivesse dentro da sua própria cabeça. Ela engoliu em seco e tentou falar, mas a voz saiu trémula.
— Condutor? — chamou.
Os passos cessaram abruptamente. Por um momento, a tensão era insuportável. E então, veio a risada. Baixa, rouca, quase animalesca, parecia um murmúrio feito para ser ouvido unicamente por ela. Sentiu o pânico crescer, e num movimento instintivo, virou-se, mas encontrou apenas o corredor vazio.
Tentou ligar a lanterna do telemóvel. O ecrã permaneceu negro, indiferente aos seus esforços. O som voltou, desta vez algo mais pesado a ser arrastado. Veio de trás. Ela congelou, incapaz de se virar imediatamente. Quando finalmente reuniu coragem, avistou uma sombra no extremo do vagão.
A figura moveu-se. Alta, esguia, com uma postura antinatural, deslocava-se como uma marioneta desajeitada. O rosto, agora visível graças a um breve lampejo das luzes, era desumano. Pálido e macabro, com olhos que eram apenas dois enormes buracos negros, onde não existia qualquer traço de vida. Um sorriso sombrio distorcido alargava-se por uma boca que parecia maior do que deveria ser.
— Não deverias ter vindo — sussurrou a criatura, com a voz fria como gelo a cortar a atmosfera.
Recuou, os músculos recusando obedecer ao instinto de correr. Tropeçou nos assentos e caiu, sentindo o impacto nas costas. Tentou arrastar-se para longe, mas antes que pudesse escapar, as mãos geladas agarraram-na pelos ombros com uma força brutal. Não houve tempo para gritar. O rosto da entidade estava agora a centímetros do seu, e os olhos, ou a ausência deles, sugavam-na para uma escuridão que parecia infinita.
Quando abriu os olhos, já não continuava no comboio. A neblina envolvia tudo, impossibilitando distinguir onde estava. Ecos de risadas e murmúrios cruzavam o ar, e à medida que os seus olhos se ajustavam, começaram a surgir os rostos. Desfigurados, contorcidos pela dor e pelo medo, olhavam para ela com uma intensidade esmagadora.
— Não há saída — murmurou uma voz, baixa e inexorável.
Lara gritou, mas o som perdeu-se naquele vazio que parecia sem fim. Estava presa. Um limbo onde o tempo não existia e os horrores eram intermináveis.
O comboio, no entanto, reiniciava a sua marcha. De fora, qualquer transeunte poderia jurar que era apenas uma viagem comum. No interior, porém, o horror aguardava pacientemente pela próxima vítima.

28 de dezembro de 2024

Reflexões de um Ano Bissexto

Este ano pareceu passar mais rápido que os outros, como se os dias extras de um ano bissexto tivessem sido roubados pelo tempo. Foi um período especialmente desafiador. Completar os cinquenta anos trouxe não apenas a marca inevitável do tempo, mas também uma clareza inquietante sobre tudo o que está errado à minha volta, as dores inexplicáveis que carregamos e os conflitos que surgem do nada, pesando sobre nós como tempestades inesperadas.

Vejo as famílias desfeitas pela soberba e por julgamentos implacáveis, onde a cobardia se sobrepõe ao perdão, mesmo entre aqueles que deveriam saber mais pela experiência de vida. Percebi que muitos conflitos desnecessários persistem, alimentados pelo silêncio e pela ausência das palavras certas nos momentos cruciais. Ainda assim, acredito no poder transformador do perdão. Como diz o provérbio: "O perdão não muda o passado, mas enriquece o futuro."

Outro pensamento que me acompanhou foi: "A cobardia veste-se de desculpas e arrependimentos tardios." Quantas vezes nos deixamos dominar pelo medo, que nos paralisa e impede de estendermos a mão ou pedirmos desculpa? E a soberba, que transforma pequenos em gigantes ilusórios, apenas para ser desmascarada pela verdade, é bem capturada pelo provérbio: "A soberba faz do pequeno um gigante, até que a realidade o derruba."

Ao refletir, percebo que errar é inevitável, um traço inquestionável da condição humana. Falhar como cônjuge, pai/mãe ou filho(a) faz parte da vida. Não temos manual para enfrentar certas situações e cada um carrega a sua quota de falhas, desde as palavras ditas no calor do momento até aos silêncios que deveriam ter sido preenchidos por gestos ou abraços. 

Cada erro deixa marcas, algumas visíveis, outras enterradas no fundo da alma. Contudo, ao olhar para trás, vejo que essas falhas foram valiosas. Elas moldaram não apenas quem sou, mas também como me relaciono com aqueles que amo. O que realmente importa não é a perfeição, mas o valor que damos ao presente. É no agora que reside a possibilidade de reparar, de cultivar as conexões profundas e genuínas. O passado ensina-nos com a sua dureza, mas o presente oferece-nos a oportunidade de aplicar essas lições, amar com mais intenção e estar verdadeiramente presente, não apenas fisicamente, mas de coração aberto e atento.

Aprender nunca termina. As lições estão em tudo, no sorriso de um filho, no olhar silencioso de um cônjuge ou até mesmo na dor de um desentendimento. Cada emoção que sentimos, seja na alegria, na tristeza, na raiva ou na tranquilidade, carregamos algo a ensinar. É através dessas experiências que nos moldamos e aprendemos a enxergar o mundo com todas as suas imperfeições e belezas.

E assim, percebo que o caminho para ser melhor não é isento de falhas. Pelo contrário, é trilhado ao aceitarmos as nossas imperfeições, ao pedir desculpas quando necessário e ao recomeçar sempre que possível. No final, é o esforço contínuo de aprender, crescer e amar que define quem somos.

Este ano foi marcado por batalhas internas e tensões que testaram a minha capacidade de compreensão. Foram conflitos invisíveis, travados dentro de mim, onde as dúvidas, os medos e as incertezas assumiram formas inesperadas. No entanto, no meio desse turbilhão, encontrei algo surpreendente, as pequenas mudanças positivas que, embora discretas, trouxeram um alívio. Cada dificuldade parecia carregar consigo uma semente de crescimento, uma lição oculta que, aos poucos, começou a florescer.

Com a chegada do Natal, um misto de emoções tomou conta de mim. As saudades intensas e a tristeza ecoaram como uma melodia persistente, acompanhadas por um toque de negativismo, como se as sombras das batalhas passadas ainda pairassem. Mas, entre essas emoções, emergiu algo mais forte, a vontade de mudar e de viver com paz.

O Natal trouxe consigo um desejo quase urgente de criar memórias. Não apenas para preencher os álbuns ou as gavetas, mas os momentos vividos de forma tão plena que o seu impacto perdurasse no tempo. Talvez seja isso que o Natal simboliza, a capacidade de recomeçar, renovar a esperança e acreditar que, mesmo após um ano difícil, há sempre espaço para o amor, a partilha e novos começos.

Dizer que o ano de 2025 é o ano da família pode simbolizar renovação e reconciliação. A família é sempre essencial, e essa importância torna-se ainda mais evidente durante o Natal.

Apesar de sentir que amadureci, a minha criança interior permanece viva. É essa essência que mantém a esperança acesa, a certeza de que haverá um momento para dizer tudo o que ainda precisa ser dito.

Tal com a Analita diz, “A vida é um presente a desembrulhar, um dia de cada vez”.

Boas Entradas para 2025, que seja sempre melhor que o anterior.

26 de dezembro de 2024

Natal em Família

Quatorze à mesa, um laço de união,
Entre risos, memórias e recordação.
Crianças brincando, canções a soar,
No frio lá fora, calor a vibrar.

Pratos servidos com gosto e cuidado,
Sabores que unem, carinho ao lado.
Troca-se afeto, dá-se a essência,
Recebe-se paz, cultiva-se a presença.

No olhar de um filho, no abraço apertado,
A magia do Natal é amor partilhado.
Convívio sincero, sem pressa ou razão,
A alegria nos sorrisos é a maior emoção.

Enquanto a lareira o ambiente aquece,
O frio lá fora apenas esquece.
Aqui, a família é sempre o central,
E mais evidente se torna no Natal.

17 de dezembro de 2024

Espírito de Natal

Com alicate, ajeito a decoração,
No pinheiro brilham luzes de emoção.
Esponja de banho? Presente encantado,
Entre risadas, todos bem animados.

Um clip segura cartões de carinho,
Desejos sinceros no nosso caminho.
A pá recolhe os brilhantes do chão,
E o alho-francês perfuma o caldeirão.

Contos e cantorias rompem o silêncio,
A noite é festiva, amor tão intenso.
O espírito natalício aquece e floresce,
E a união da família jamais esmorece.

16 de dezembro de 2024

Um sábado bem-passado

A manhã começou serena, com um passeio tranquilo ao lado da minha cadela Loira, junto ao riacho. Um café e uma conversa leve, cheia de palavras soltas que dançavam no ar, com o meu companheiro.

Perto do meio-dia, peguei no carro e segui devagar a caminho do sarau da minha sobrinha mais nova, acompanhada pela mais velha. O sábado em Miraflores estava movimentado, com muitos carros estacionados em cima do passeio. Fiz o mesmo.

Sentámo-nos nos bancos de cimento, que desta vez, estavam cobertos com resguardos, afastando o frio. O tempo passou num instante, entre as entradas de grupos, das crianças aos mais velhos, muitas palmas, vídeos e brincadeiras. Quando tudo terminou, as meninas foram almoçar e preparar para a tarde. E caminhei até ao carro. Ao ver os papéis presos nos vidros dos outros carros, percebi, que já tinha uma multa. Bah!

Fiz uma pausa numa bomba de gasolina, onde tinha uma área de serviço e aproveitei para comprar uma sandes, um sumo e um café. Depois, segui caminho para o Palácio Baldaya. Entrei por trás, por uma entrada que parecia meio-abandonada. Mas, ao aproximar-me do palácio, senti-me deslumbrada, que lugar lindo, um verdadeiro tesouro escondido em Benfica!

À entrada, uma parede estava adornada com uma pintura enorme e vibrante. No jardim, uma árvore iluminada por luzes de Natal, havia mesas e cadeiras dispostas ao ar livre em que, criavam uma atmosfera encantadora.

Lá dentro, uma exposição de ‘puzzles’ capturou-me imediatamente. Era ali que iria acontecer o lançamento do livro. Mas as imagens dos ‘puzzles’ eram fascinantes nos mapas, monumentos icónicos, Los Angeles à noite, Lisboa, Taj Mahal, África, Sagrada Família, Torre Eiffel. E, claro, as impressionantes torres de Pisa e o Coliseu, em 3D. Como fã de ‘puzzles’, fiquei completamente fascinada.

Encontrei as minhas colegas e a formadora da minha formação de escrita, algumas delas conhecia apenas pelos “quadradinhos” das videochamadas das dinâmicas.

Estava quase a começar o evento, o lançamento do livro 'Sublime Querer'. Duas das três autoras, a Paula e a Cláudia, são pessoas que admiro profundamente, pelas histórias que tem, pelo carácter e pelas dinâmicas que fazem. A apresentação foi breve, mas cativante, despertando a vontade de mergulhar nos contos. Vou seguir o conselho: ler um conto por dia e dedicar vinte e quatro horas para reflectir.

Os autógrafos, as trocas de palavras com as colegas e as fotos tiradas pelo fotógrafo tornaram tudo ainda mais especial.

Antes de anoitecer, segui rumo à casa da minha mãe. Troquei de roupa, maquilhei-me e vesti um lindo casaco azul com pêlos. Quando a minha mãe e os meus tios chegaram, ficaram boquiabertos: “Uau! Estás linda, pareces uma fada madrinha!”

À noite, parti para a festa de Natal da empresa. Entre as conversas animadas, um copo de sangria, música da nossa época e dançar até os pés doerem, a noite fluiu como um sopro, cheia de alegria, convívio e descontração.

Cheguei a casa às três da manhã. Exausta, mas com o coração cheio.

15 de dezembro de 2024

Divisões

No silêncio da casa vazia, Sofia observava as rachaduras nas paredes, as linhas que pareciam se multiplicar a cada dia. Antes, eram quase invisíveis, um detalhe menor na paisagem do lar, mas agora cortavam o reboco em trajetos sinuosos e profundos, como cicatrizes que a casa se recusava a esconder.
O técnico garantira: “é um assentamento normal.” Sofia tentara acreditar, mas algo naqueles traços irregulares a fazia sentir-se observada. À noite, os sons aumentavam. Pequenos estalos ecoavam pela madeira e pelas paredes, formando um compasso que a inquietava. Todas as madrugadas, às 3h13, o relógio da sala parava, como se o tempo obedecesse a um ritual sinistro. Os objetos surgiam deslocados. Os livros invertidos, os quadros tortos, um vaso quebrado que ela não se lembrava de ter tocado. E havia os sussurros. Baixos, indistintos, mas inegáveis, pareciam sair de dentro das paredes. Naquela noite, os estalos vieram mais fortes. Sofia, já acostumada, pensou em ignorá-los, mas o som tornou-se um estrondo avassalador que fez o chão tremer. Correu para a sala e parou, aterrorizada, ao ver as rachaduras se alargando diante dos seus olhos. Elas não só cortavam a parede como a rasgavam. Em segundos, um vazio negro pulsante tomou o lugar do reboco. Sofia tentou gritar, mas a sua voz falhou. Um frio gelado percorreu o ambiente e uma sombra emergiu do vazio, movendo-se como um líquido denso. Paralisada, ouviu a fantasma sussurrar, com uma voz que parecia vir de dentro da sua própria mente: “Estás dividida como esta casa. Escolhe.” Sofia sabia do que se tratava. A dor das decisões adiadas, das escolhas que jamais teve coragem de fazer, materializava-se ali. Mas quando tentou responder, percebeu que já era tarde. A sombra avançou, envolvendo-a num abraço opressivo. Enquanto o vazio a consumia, os estalos cessaram. As rachaduras começaram a desaparecer, fechando-se como feridas que finalmente cicatrizavam. A casa silenciou e o relógio voltou a marcar o tempo. Para quem passava por ali, era apenas mais uma casa antiga, mas Sofia nunca mais foi vista, exceto por um vulto no reflexo das janelas à noite.

11 de dezembro de 2024

Dinamica Dezembro

Auguste Rodin foi um escultor francês do século XIX que revolucionou a escultura moderna. Para além das reconhecidas modulações das superfícies, de inspiração impressionista, também desenvolveu a escultura parcelar, ou seja, que não era a figura humana na totalidade ou o tradicional busto. "A mão de Deus"é um desses fantásticos objetos pétreos.
Também na literatura o discurso pode ser modelado a partir de uma parcela corporal, como as mãos, a mão solitária, quase sem sujeito.
DESAFIO:
- TEMA: a mão;
- TAREFA: escrever uma breve ficção apenas narrando uma mão;
- O sujeito da mão não pode ser descrito física ou psiquicamente;
- Uma mão tem 5 dedos, 5x9=45, 45+9=56; 56+5+6= 67; Usar 67 palavras exatas;
- O narrador é na primeira pessoa (eu), pode ser a mão ou o sujeito da mão, e fala com um destinatário que trata na segunda pessoa (tu);
- DESAFIO: não pode usar nenhuma letra T;

Eu deslizo por superfícies enrugadas,
os dedos dobrados e linhas marcadas de jornadas.
Na minha presença, segues o compasso da minha dança silenciosa.
Inclino-me, recolho as migalhas ou sombras esquecidas.
Exploro as asperezas e as doçuras suaves.
Com energia, desenho as formas no ar.
A cada sinal guardo memórias, nas dobras, uma narração.
Apenas olhas, mas nunca alcanças.
Eu avanço, deixando pegadas que logo se desfazem.

8 de dezembro de 2024

Intimidade

Na penumbra do quarto, Clara sentiu as mãos de Marco deslizando sobre a sua pele. O calor do toque era real demais para um sonho, mas uma sensação de frio pesado instalava-se no seu peito. A cada carícia parecia trazer uma lembrança, mas também um peso que ela não sabia nomear. Lentamente, abriu os olhos. Marco não estava ali. O espelho em frente reflectia o quarto vazio, excepto uma sombra alongada atrás dela. Virou-se bruscamente, mas encontrou apenas o silêncio opressivo. Um cheiro de terra molhada invadiu o ar, denso e férreo, trazendo as memórias que Clara há muito tentava enterrar. Marco estava morto havia um ano. O acidente, tão repentino quanto brutal, ainda a atormentava. Mas agora, o toque persistia, quente, familiar e, ao mesmo tempo, aterrador. A porta rangeu, fechando-se devagar e uma brisa gelada fez os cabelos de Clara erguerem-se. Uma voz sussurrou o seu nome, grave e distorcida, como se ecoasse do fundo de um poço. Era o timbre de Marco, mas algo nele soava muito errado. Não era apenas o desejo, mas algo desesperado e faminto. Clara apertou o peito, tentando afastar a sensação de sufocamento. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. "Estou aqui," sussurrou a voz quebrada, cheia de dor e esperança. De repente, as mãos voltaram, mais fortes, quase possessivas, envolvendo-a como uma prisão invisível. O espelho trincou, estalando em linhas que pareciam feridas e a sombra cresceu a sua volta. Clara tentou se mover, mas seus membros estavam pesados, como se a escuridão ao redor a absorvesse. No reflexo estilhaçado, vislumbrou um pouco assustador, uns olhos brilhando com uma luz fria e um sorriso que não pertencia a Marco. A última coisa que Clara ouviu foi a voz dele murmurando perto do seu ouvido, num tom amargo, "Nunca te deixarei." O quarto mergulhou numa escuridão total e a casa permaneceu num total silêncio. Ela percebeu que jamais estaria sozinha. Na manhã seguinte, apenas o perfume de terra molhada permanecia no ar, enquanto o quarto parecia mais vazio do que nunca.

3 de dezembro de 2024

Ronrons e mimos!

Vou escrevendo um conto e a medida que for dizendo Stop muda de letra do
alfabeto: FHGI.

 F- Foram momentos pensativos. Tiro meio-dia de férias, há que pensar na saúde dos que nos querem bem. Fui para casa da minha mãe, abri a janela, para entrar o sol, fraquinho, mas que ainda tinha força para aquecer. E o cheiro das flores...
H- Há momentos em que tudo o que desejamos é aliviar o peso das dores alheias. Quando vemos alguém a sofrer, uma vontade urgente nos invade, arrancar-lhes os sorrisos, oferecer conforto e distrair das aflições, mesmo que por breves instantes. Tentamos contar anedotas, improvisar uma atmosfera leve e carregar o ambiente com um bom humor quase forçado, mas genuíno no afeto.
Hoje, o consolo veio pela cozinha. Preparei uma canja simples, mas feita com cuidado, uma galinha desfiada sem ossos, nadando em caldo quente com massa de cotovelos, aquele tipo que parece abraçar o paladar. Para o prato principal, um bife grelhado, não perfeito, mas honesto, tão firme quanto uma sola de sapato, acompanhado por umas batatas a murro, que liberaram o seu perfume terroso ao toque do azeite.
E, para adoçar o momento, veio o ápice: uma maçã reineta generosamente polvilhada com açúcar e canela, assada até a doçura derreter na boca.
Cada gesto, cada prato, foi pensado para ser a cereja no topo do bolo. Um pequeno ato de amor para a doentinha, uma tentativa de lembrar que, às vezes, o afeto pode ser servido em colheres, com os bocados e aromas.
G- Golo! Acertei precisamente nas receitas perfeitas para momentos como este. Esperei mais um pouco, observando com satisfação as cores a voltarem lentamente às bochechas da doente. Um pequeno sinal de recuperação que me aqueceu o meu coração. Com a sensação de dever cumprido, arranquei de volta para casa.
Mal cruzei a porta, nem tempo tive para respirar. Assim que me sentei, fui cercada por dois caramelos peludos, os guardiões do meu sossego. Um aconchegou-se ao meu colo, ronronando como se fosse um motorzinho de pura felicidade. O outro encostou-se à minha perna, abanando o rabo como quem diz: "Estivemos à tua espera todo o dia".
Sorri, mas a pergunta veio à mente, será que consigo trabalhar? Talvez escrever algo para as minhas adoradas dinâmicas de aventuras? Mas como posso eu, ignorar aqueles olhos? Eles não pediam, exigiam a minha atenção e mimos, cheios de saudades.
Entre ronrons e os olhares cúmplices, percebi que, naquele momento, escrever podia esperar. Afinal, cada gesto deles era como um capítulo de um conto silencioso, feito de carinho, de lealdade e uma cumplicidade que só o amor genuíno sabe escrever.
I- Iria adiar o trabalho, iria escrever os contos com algumas letras, iria ouvir as outras meninas a contar as suas histórias, as suas aventuras. E dar risadas até cair para o lado, o melhor destes encontros online.

1 de dezembro de 2024

O Espelho Proibido

 

No mundo de Kaelar, os espelhos eram mais do que objetos banidos, eram portais para o inexplicável. As lendas sussurravam sobre os reflexos que não refletiam, mas simulavam, os habitantes de um reino invertido, à espera de uma fraqueza, de um momento para se cruzarem. Ninguém ousava desafiar a proibição, exceto Teryn, um aprendiz de alquimista, o qual a curiosidade era tão afiada quanto perigosa.
Num mercado clandestino, encontrou um pequeno espelho de moldura corroída pelo tempo. Entre as moedas trocadas e os olhares furtivos, sentiu o peso do objeto nas suas mãos, como se algo ali o observasse. Ignorou o arrepio. “Medo irracional,” pensou.
No seu quarto, à luz trémula de uma vela, Teryn ergueu o espelho. A princípio, viu-se como sempre, uns olhos verdes atentos e pele pálida. Mas, algo rompeu a normalidade. O reflexo piscou. Ele, não.
Teryn estremeceu. Largou o espelho, mas a imagem não desapareceu. Pelo contrário, sorriu. Um sorriso largo, desafinado e expondo os dentes afiados.
— Finalmente — disse a figura, numa voz rouca que ressoava dentro da mente de Teryn.
Ele tentou desviar o olhar, mas os seus olhos estavam presos. Os seus braços imóveis, não obedeciam. O reflexo, agora autónomo, moveu-se além do limite do vidro, como se a moldura fosse uma janela aberta.
— Devias ter ouvido as histórias, Teryn — zombou a figura, aproximando-se.
Um frio avassalador tomou conta do aprendiz. Sentiu um puxão, como se algo o sugasse para dentro do espelho, para um vazio gelado e insuportável. Quando o pânico deu lugar à realidade, percebeu que não estava mais no quarto. Ele estava do outro lado.
Do vidro, viu o seu próprio corpo, agora habitado pela criatura.
— Agora é a minha vez no mundo real — disse ela, sorrindo, antes de apagar a vela.
Na escuridão opressiva do mundo invertido, Teryn ouviu sussurros infinitos, as vozes indistintas de outros também aprisionados. Algumas vozes choravam, outras suplicavam, mas as piores eram as que gargalhavam, distorcidas pelo desespero que se transformara em loucura.
E então, entendeu, que ninguém escapava do reflexo.

30 de novembro de 2024

Sinfonia Silenciosa


Nos ecos profundos que o silêncio acalma,

numa nota vibrante, clara e inteira,

um gesto e uma escolha, na nossa palma,

compõem na pauta a melodia verdadeira.

 

O som das decisões, suave ou feroz,

flutua no ar como sopro ou grito,

vibra em cada riso e ténue voz,

no compasso onde o destino é escrito.

 

Há quem toque em harmonia plena,

com acordes de bondade e luz pura,

Há quem perca na alma pequena,

as dissonâncias que a sombra murmura.

 

A decisão, um acorde profundo,

cada erro, um defeito a ecoar,

no final, revelamos ao mundo

as notas que ousamos deixar.

 

A vida, partitura sem maestro,

com vibrações que o peito compreende,

a moralidade, no seu ritmo e gesto,

entre o caos e o sentido se estende.

 

Um concerto aberto, íntimo e constante,

um compasso que vibra sem cessar,

é a sinfonia em tom hesitante,

nos laços que ousamos moldar.

 

Nos espaços entre notas e silêncios,

onde a alma se desnuda e confessa,

é ali que repousa, sem artifícios,

a pura essência que nos atravessa.

 

Autora: Lara Fernandes (Larita Caramela) Enviado (não foi publicada).

27 de novembro de 2024

Dezanove Anos

Hoje não é um dia de tristeza, embora tenha começado com um nó na garganta. São dezanove anos desde que o meu Pai partiu. De ausência que, pouco a pouco, se transformaram numa presença diferente. Não uma presença física, mas algo mais profundo. Ele representa um pouco, nos meus gestos, nos nossos risos, nas histórias que conto.

Coloquei flores no meu coração, como sempre faço. Ele dizia que os pequenos gestos tinham poder e agora entendo por quê. Era assim que ele era, uma força constante, até quando as coisas não iam bem.

Ainda encontro muitas pessoas que se lembram dele. “O teu pai… era um homem como poucos. Sempre dizia que a vida era para ser partilhada e fazia isso como ninguém. Principalmente com a família e com as pessoas que amava.”

Aquelas palavras aqueceram-me. Mesmo depois de tanto tempo, havia quem ainda o recordava com carinho. Senti reconhecimento, por ele e pelas memórias que não deixam que a sua essência se perca.

Mais tarde, reunimos em família para um jantar. Até a minha mana, com cara de sono, fez videoconferência connosco por cinco minutos. Não foi um evento triste, até rimos, relembramos as histórias engraçadas. Tenho pena que os mais novos, as netas, não o tenham conhecido. Mas ficam fascinadas com as narrativas, como se ele estivesse presente nelas.

Hoje, não chorei. Não esqueci do dia, nem as pessoas que fazem anos. As saudades continuam aqui, mas dói muito menos. É uma saudade boa, que me lembra o quanto ele foi amado e o quanto ainda é. Ele permanece tão presente entre nós. E muitas vezes, em silêncio e em pensamento, recorro-lhe para alguns receios da vida.

Antes de adormecer, escrevi no meu diário virtual:
Obrigado, Pai, por tudo o que foste e ainda és.
Obrigado a quem te lembra com carinho.
És eterno nas memórias e no amor que deixaste.

E assim terminei o dia, com menos dor e muito mais gratidão.