Até 300 palavras
Palavra no fim e no início: Não
Frase no meio: "Tem gente que cose para fora eu coso para dentro". Clarice Inspector
Não era possível encontrar sossego naquela sala de costura. Ernesto, o alfaiate mais célebre da vila, vivia num turbilhão de ideias e de stresses. Entre as agulhas, botões e linhas, havia um emaranhado de pensamentos que ele não conseguia desembaraçar.
Naquela tarde, quando dona Olga entrou com o seu vestido de cetim, Ernesto já estava à beira de um ataque de nervos.
"Preciso disso para o casamento da minha sobrinha! Mas, por favor, nada extravagante. Só um pequeno ajuste aqui e ali." O que parecia simples para qualquer costureiro comum era para Ernesto um dilema filosófico.
Ele olhou para o vestido como quem encarava um enigma. "Tem gente que cose para fora, eu coso para dentro", murmurou, enquanto a tesoura tremia na sua mão. Olga franziu a testa.
"Como assim para dentro, Ernesto?!"
"É o desassossego, dona Olga! Cada ponto que dou, é como costurar a minha própria ansiedade. Sabe o que é isso? Colocar cada pedacinho da alma numa bainha? É um trabalho perigoso!"
Olga, sem paciência, revirou os olhos.
"Só quero um vestido que me sirva!"
Entre as linhas que se embaraçavam e um Ernesto cada vez mais perdido nas suas reflexões, o vestido começou a ganhar vida, mas não como esperado. A barra estava torta, os ombros assimétricos e um zíper improvisado apoiava como obra de arte moderna.
"Pronto!", exclamou Ernesto, suado, porém orgulhoso.
Olga, atónita, vestiu-se.
"Isso é uma piada, Ernesto?! Parece que vesti o desassossego em pessoa!"
Ele, com ares de um artista incompreendido, rebateu: "Minha senhora, é uma obra de vanguarda!"
Olga saiu bufando, com o vestido na mão e Ernesto, aliviado, finalmente encontrou um instante de paz. Mas ao olhar para a pilha de encomendas, suspirou: "Não."
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