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27 de abril de 2025

Herança

O velho solar dos Monteiro, encravado entre nevoeiros e silêncios no vale de Vilar Frio, permaneceu vazio durante décadas. Quando a Clara o herdou, mal conhecia o apelido que agora carregava. Aceitou as chaves sem cerimónia, sem suspeitar que não se herdavam apenas paredes e telhados, mas também o que nelas vive ou morre.

Na primeira noite, o ar adensou-se. As tábuas gemiam com o tempo e os espelhos antigos, pareciam respirar. Clara explorava os corredores como se os pés não lhe pertencessem, atraída por uma força que não compreendia. Encontrou, enfim, o sótão. Uma escada íngreme, uma porta que se abriu com um estalido seco e um frio que não vinha de fora.

Lá dentro, entre móveis cobertos e retratos de olhos fundos, achou um espelho oval com a moldura entalhada em espinhos. O seu reflexo devolveu-lhe o rosto, mas não os olhos. Neles dançava outra coisa, uma presença faminta. A imagem sorriu-lhe antes de ela fazê-lo.

Desde essa noite, Clara já não dormia. Acordava com as unhas cobertas de terra, os pés molhados de orvalho, os cães da aldeia a uivarem sem motivo. À medida que os dias se arrastavam, a casa parecia mais viva. Escutava-se um riso infantil nos corredores e portas abriam-se sozinhas para quartos que nunca visitara.

No sétimo dia, voltou ao sótão. O espelho aguardava e desta vez, a imagem não a imitava. Gritou, mas a voz perdeu-se num eco que não era dela. O reflexo estendeu a mão e Clara sentiu os dedos gelados tocarem-lhe a alma. Tentou recuar, mas os pés já estavam dentro do vidro. Foi sugada, como se o mundo real fosse apenas uma película fina.

Agora, quando alguém visita o solar, diz-se que uma mulher vagueia pelas janelas, a olhar para fora com olhos que não piscam. A herança não era a casa. Era o espelho. E ele ainda espera... por mais sangue do nome Monteiro.

26 de abril de 2025

O ódio cresce como erva daninha

Temas da semana: Porque rezamos/


O ódio cresce como erva daninha 

 

 

Sussurros tornaram-se gritos, olhares rasgaram laços. O ódio cresceu, disfarçado entre desconfianças, invadindo corações como erva daninha, sufocando bondade. Quando tentou arrancá-lo, era tarde demais, as raízes profundas deixaram cicatrizes onde outrora floresciam afectos.

Papa Francisco - Oração pela PAZ

"Podes estar defeituoso, ansioso e às vezes irritado, mas lembre-se que a sua vida é o maior negócio do mundo.”

Só tu podes impedir que ele decline.

Muitos são aqueles que te valorizam, te admiram e te amam. E não sabes, mas tens pessoas para quem és especial

Quero que lembres que felicidade não é ter um céu sem tempestades, caminhar sem acidentes, trabalhar sem cansaço e relacionamentos pessoais sem decepções.

Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no medo, amor na discórdia.

Ser feliz não é só valorizar o sorriso, é também refletir sobre a tristeza.

Não se trata apenas de comemorar o sucesso, mas de aprender as lições do fracasso.

Não é só ter alegria com aplausos, mas sim ter alegria no anonimato.

Ser feliz é reconhecer que a vida vale a pena viver apesar de todos os desafios, tristezas, desentendimentos e tempos de crise emocional e económica.

Ser feliz não é um destino, mas sim uma conquista para quem sabe viajar no seu próprio ser.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar actor da sua própria história.

É como caminhar por desertos fora de si mesmo, mas ser capaz de encontrar um oásis no fundo da nossa alma.

É agradecer a Deus todas as manhãs pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.

É tudo sobre falar sobre si mesmo.

Ter a coragem de ouvir um "não" mesmo de quem amas.

É sobre ter a segurança de receber críticas, mesmo que seja injusto.

É abraçar crianças, acariciar pais, ter momentos poéticos com amigos, mesmo que eles nos machuquem.

Ser feliz é deixar viver a criatura livre, feliz e simples, que vive em cada um de nós.

Ser maduro é dizer "eu estava errado".

Tendo a coragem de dizer " perdoa-me.”

É ter a sensibilidade de dizer "Preciso de ti".

É ter a capacidade de dizer que te amo.

Que sua vida se torne um jardim de oportunidades para ser feliz.

Que sejas um amante da alegria em suas fontes.

Que sejas um amigo de sabedoria e paz durante os teus invernos.

E quando der errado no caminho, começas de novo.

Bem, serás mais apaixonado pela vida.

E vai descobrir que ser feliz não é ter uma vida perfeita.

Mas use as lágrimas para tolerar água.

Use as perdas para aguçar a sua paciência.

Use falas para esculpir serenidade.

Use o prazer para afastar a dor.

Use obstáculos para abrir janelas de inteligência.

Nunca desistas...

Nunca desistas das pessoas que amas.

Nunca desistas da felicidade, pois a vida é um espetáculo imperdível! »

22 de abril de 2025

O Engraxador da Alma Perdida

Na Praça da Figueira, a madeira gasta da caixa de engraxador ressoava como um tambor antigo sob os meus pés. O homem, curvado pelo tempo e pelo ofício, ergueu os olhos cor de ferrugem e disse, enquanto polia com vigor a pele do meu sapato:

— Sabes, rapaz... eu uma vez vendi a alma por um seguro.

Sorri, julga com troça. Mas continuou, com a solenidade de um padre em confissão.

— Não era de vida, nem de saúde. Era um seguro contra o esquecimento. Apareceu-me um tipo de fato de linho claro, com olhos lisos como ecrãs e um sorriso sem calor, como se falasse em ‘slogans’. Disse-me que nunca iria cair no abismo do anonimato, que o meu nome ecoaria mesmo após eu desaparecer.

A escova deslizava como uma dança silenciosa sobre o couro.

— Assinei com a pressa de quem foge da sombra. Ao início, fui sol. Cada olhar lançava-me luz. O engraxador da Praça, o que contava histórias, o que sabia segredos de ministros e mendigos. Mas a cada palavra repetida, a cada riso ensaiado, eu encolhia. Um dia, percebi, que já não falava, era falado. Já não vivia, era eco.

Os sapatos brilhavam como espelhos. Ele olhou-os brilhantes, mas não sorriu.

— Agora só engraxo os que já não escutam. Os que correm. Talvez esses saibam o segredo, que há descanso no esquecimento. E eu, preso neste contrato com o ruído, continuo a existir… mas já não estou cá.

Levantei-me. A praça parecia mais fria. Por um momento, enquanto passava o pano pela biqueira, senti um arrepio.

E se um dia alguém me oferecer um contrato desses?

Atrás de mim, o homem voltou a olhar para o vazio, onde um dia estivera a sua alma.

19 de abril de 2025

Portais Naturais

Temas da semana: Portais Naturais/ No centro Comercial / Jardinagem    

 

 

Uma fenda entre as árvores revelou o impossível. Do outro lado, mares queimavam em ouro líquido. Hesitou. Passou. O mundo mudara, ele mudara. O portal fechou-se, deixando-lhe apenas as memórias do extraordinário que tocou. 

15 de abril de 2025

A lenda de Neustadt


             
Nas margens do tempo, entre as colinas cobertas de vinhas e névoas que sussurram os nomes esquecidos, ergue-se Neustadt, não apenas a cidade, mas a guardiã de um segredo antigo. No alto da Colina dos Sussurros, o tempo não corre. Sangra.

            Elias, o relojoeiro, criou um mecanismo que não media as horas, mas as recordações. Cada ponteiro, um eco. Cada engrenagem, uma ferida. O relógio que levou consigo para o cimo da colina não era feito para marcar o tempo, era feito para o reviver.

            Amara seguiu um chamamento que só ela escutou. Dizem que viu, no pulsar irregular da torre, as memórias que não vivera ainda. Entrou no tempo como quem entra num sonho. Perdeu-se ou escolheu ficar do outro lado.

            O relógio tornou-se um portal. Quem o toca sente, não vê, sente os instantes perdidos, um beijo que não foi dado, uma promessa esquecida, um adeus nunca dito. Mas ajustar os ponteiros era aceitar a dor e poucos ousaram.

            Há um círculo de velhos que se reúnem em silêncio na cripta sob a igreja. Os guardiões da verdade. Velam para que o relógio nunca se complete. Para que Elias permaneça onde está, entre o agora e a outrora. Porque libertá-lo seria romper o selo que contém o peso da memória do mundo.

            Neustadt calou-se. As janelas passaram a fechar-se antes do pôr do sol. O sino foi silenciado. Mas há sussurros nos becos e ecos de passos em ruas vazias, como se a própria cidade respirasse o segredo.

            A colina floresce sem semente e há noites em que um segundo se repete, sempre o mesmo, como se o mundo hesitasse. Há quem jure ter visto Amara no espelho partido da torre, mais velha ou talvez mais nova. Sempre distante.

            E quando o relógio soar de novo, Neustadt há-de estremecer. Porque há feridas que o tempo não cura. Há memórias que, se tocadas com a verdade, podem finalmente descansar ou recomeçar.

            Para manter aberta a única porta onde o amor não foi embora. Há segredos que só o tempo, quando dói, se atreve a contar.

13 de abril de 2025

A Casa Onde o Silêncio Morria

A chuva batia no telhado como dedos impacientes. Marta lavava a loiça em silêncio, com os olhos fixos no vidro embaciado da janela. Atrás dela, em passos pesados desciam as escadas, cada um uma sentença.

Ele entrou. Com a camisa por dentro das calças, o olhar turvo de vinho barato. Disse-lhe que o jantar estava frio. Disse-lhe com os punhos. O prato partiu-se no chão, mas foi o som da alma dela que ecoou pela cozinha.

Marta já não gritava. O tempo ensinara-lhe a guardar os gritos no fundo do peito, onde nem o eco ousava ir. Mas nesse dia, algo mudou. Não foi a dor, não foi o sangue. Foi o olhar da filha, Ana, no vão da porta. O medo nos seus olhos era um espelho.

Naquela noite, Marta não dormiu. A casa inteira parecia um animal à espera do golpe final. Levantou-se devagar, calçou os sapatos gastos e foi ao quarto da filha. Pegou nela com delicadeza, como quem segura o futuro nos braços.

A porta rangeu baixo. Ele ressonava no sofá, um gigante de carne podre e de promessas ocas. Marta passou por ele como vento, invisível, mas certa.

Na rua, a madrugada rasgava o céu, a cinzento. Caminharam até à esquadra, onde o "não" ganhou corpo e nome. Onde o silêncio se desfez em palavras.

“Ele bateu-me”, disse. “Ela viu.”

Foi preciso repetir. E repetir. Mas não voltou atrás. Dias depois, na mesma casa, o eco dos gritos já não morava. Ana brincava no tapete, com um desenho colorido nas mãos. Marta fitava o mundo pela janela, o mesmo mundo onde o ‘não’ antes a acorrentava, agora abrira portas.

A casa já não era mais, uma prisão. Era um recomeço. E no coração de Marta, onde antes havia medo, agora crescia uma nova palavra, liberdade.

12 de abril de 2025

Faça crescer a sua própria Sorte

 Temas da semana: Faça crescer a sua própria Sorte/ No fim do teste/ Nas visitas de estudos da escola/ Vazio

 

 

Enterrou as sementes em terra seca, as mãos feridas de esperança.
Veio a chuva, tardia, mas veio. Entre espinhos, brotaram flores improváveis.
Chamaram-lhe sorte. Ele sorriu. Soubera, desde sempre, que colhe quem ousa semear.

 

9 de abril de 2025

No aeroporto de Hobart

Mote: “Mais tarde, ninguém se lembrará de ter visto a senhora embarcar no voo no aeroporto de Hobart” – Masterclass de Joana Kabuki.

Mais tarde, ninguém se lembrará de ter visto a senhora embarcar no voo no aeroporto de Hobart. E, no entanto, ela esteve lá ou talvez apenas a sombra da mulher que foi. Ficaram vestígios dispersos como folhas ao vento: um bilhete de embarque amarrotado, recolhido distraidamente por um funcionário de limpeza que não reparou no nome; uma chávena de café meio cheia, esquecida no peitoril de uma janela embaciada pela respiração do inverno, que uma mulher hesitou em tirar do caminho, como se perturbasse algo sagrado; o banco 17B, onde um adolescente prestes a sentar-se parou por um segundo, sem razão aparente, e escolheu outro lugar.

E o cheiro. Lavanda. 

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