Em carros automáticos, com luz do dia, os médios, não se acedem. Pessoas, Mulheres, acedem os médios.
Sejam vistos!
Sejam vistos!
As mãos da mãe Júlia, marcadas pelo tempo e pelas responsabilidades, eram firmes, mas guardavam uma suavidade intrínseca, aquela que somente o amor incondicional consegue preservar. Elas seguravam um frágil barco de papel com uma precisão cuidadosa, consciente de que, apesar da sua leveza, carregava os sonhos preciosos. Cada movimento era impregnado de ternura, como se soubesse que aquele pequeno objeto era mais do que papel: era a chave para um mundo que ela mesma ajudava a criar.
As mãos do filho João, pequenas, inquietas e cheias de uma energia vibrante, tocavam no barco com uma ansiedade de quem está a desvendar os mistérios do universo pela primeira vez. O toque infantil, desajeitado, mas cheio de vida, dava forma a novas aventuras a cada instante. Os seus dedos percorriam as dobras do papel como se explorassem um mapa desconhecido, em cada linha era um caminho a seguir, um destino a conquistar.
Entre as mãos da mãe e do filho, o barco de papel transformava-se. Deixava de ser apenas uma dobradura simples e tornava-se um navio corajoso, comandado por um capitão audaz e muitos marinheiros fortes e enérgicos, sempre prontos para enfrentarem os oceanos da imaginação.
Juntos, a mãe e filho, através do toque, criavam um momento de profunda cumplicidade. As suas mãos não só moldavam o barco, mas também o futuro, ia a tecer uma narrativa conjunta onde ambos eram protagonistas de aventuras que ultrapassavam a realidade.
Aquele contacto, possua o seguro e o inocente, entre o conhecido e o inexplorado, era um compromisso. Uma promessa de proteção, de descoberta, de apoio mútuo. As mãos, naquela comunhão silenciosa, tinham o poder de transformar o banal em extraordinário, de educar e, ao mesmo tempo, deseducar, libertando-se das regras para criar um mundo, onde o impossível se tornava possível.
'Donde Habitan Los Angeles' é um romance de ficção escrito por Claudia Celis. Esta história emocionante centra-se na vida de um jovem que embarca numa viagem através da vida, morte e amor.
Fiz este Miniconto mensal que intensifica o terror e o mistério, criando uma atmosfera de presságio e tensão sobrenatural, perfeita para um conto de Halloween com as palavras do Spooktober 2024 e pela a ordem de cada dia!
Lara acordou sobressaltada ao sentir algo frio a tocar na sua pele. Ao abrir os olhos, encontrou uma flor seca e negra sobre a almofada, as pétalas manchadas de um vermelho-escuro, como se tivessem sido banhadas com sangue coagulado. O quarto, antes familiar, parecia agora mais apertado, como se as sombras tivessem aumentado, observando-a com olhos invisíveis. Um cheiro metálico pairava no ar, sufocando-lhe a garganta e o nariz.
Atormentada pela visão, decidiu caminhar até ao vale verdejante, onde sempre encontrava paz. No entanto, o prado parecia irreconhecível. O arco-íris após a chuva estava agora manchado de vermelho, com gotas de sangue pingando das suas cores desbotadas. Ao seu redor, ouviu o remexer de algo rastejante e ao olhar para o chão, viu um bando de aranhas negras a escalar-lhe as pernas. Sentiu um pânico a crescer, mas por algum motivo, não conseguiu mover-se.
Um arrepio gelado percorreu-lhe o corpo quando sentiu um beijo frio e húmido no pescoço, mas, ao virar-se, o que viu foi pior do que o vazio: uma sombra feminina, com olhos vazios e a boca distorcida num sorriso cruel. Uma risada distante, rouca e penetrante, ecoou pelo vale.
O som do mar chegou-lhe aos ouvidos, mas não era o mesmo som que conhecia. As ondas não eram feitas de água, mas de um líquido escuro e espesso, que refletia a luz de uma lua sangrenta num céu pesado.
No horizonte, um templo de pedra ergueu-se onde nunca existira. Era antigo e coberto de símbolos gravados em ossos humanos. Sentiu uma presença sombria a atraí-la, puxando-lhe pelas entranhas.
Contra a sua vontade, os pés de Lara começaram a mover-se, levando-a até ao local. Ao entrar, o cheiro de carne queimada invadiu-lhe as narinas e as paredes estavam cobertas de marcas de garras e manchas de sangue fresco. No altar, uma fotografia amarelada duma mulher de olhos vazios e os lábios manchados de sangue. Ao lado da foto, uma concha quebrada que continha um anel negro pulsante, coberto por teias de aranha e pedrinhas de diamantes.
Relutante, mexeu na peça como um chamamento. Imediatamente, uma caixa de música tocou uma melodia lúgubre e distorcida, ecoando como um lamento do além. A tampa da caixa abriu-se por conta própria, revelando um pergaminho antigo, inscrito com símbolos indecifráveis e ameaçadores.
As portas do templo fecharam-se violentamente e a única luz veio de uma vela ao lado, que se acendeu sozinha e projetava as sombras grotescas que se moviam como bruxas a dançar em torno de uma fogueira. O chão começou a tremer e Lara percebeu que algo, debaixo da terra, tentava emergir.
Ao agarrar num pincel que lhe apareceu na mão, o sangue dela começou a escorrer pelas cerdas enquanto possuída, desenhava sobre um pedaço de algodão sujo. As formas que criou começaram a rastejar para fora do pano, as serpentes e os corvos de carne apodrecida, que se contorciam pelo santuário frio. Um coro de vozes fantasmagóricos ecoava pelas paredes, sufocando-a com o terror crescente.
A atmosfera tornava-se cada vez mais pesada e o chão húmido parecia escorrer orvalho das próprias paredes, encharcando o local.
Desesperada, fugiu para o jardim, mas tudo ali estava morto e desfigurado. As plantas tinham formas retorcidas e grotescas, como mãos esqueléticas que tentavam agarrá-la. Uma harpa empoeirada num canto vibrou sozinha, emitindo uma nota que parecia um grito agudo e interminável.
O céu já não continha o brilho da aurora; em vez disso, uma nuvem negra e condensada bloqueava qualquer esperança de luz. Subitamente, uma escuridão espessa, como um véu, cobriu os seus olhos.
A Lara tropeçou e caiu de joelhos, sentindo o coração a martelar no peito. Viu uma figura em trapos de bruxa emergindo da escuridão, com um rosto deformado e olhos que brilhavam como brasas. Rindo-se com uma malícia ancestral, a bruxa estendeu a mão ossuda e agarrou a Lara pelo braço, cravando as unhas afiadas na sua pele até que o sangue começasse a escorrer.
O mar, aquela massa fervente de sangue, expelia uma espuma negra e no reflexo das ondas, a Lara viu a mulher da fotografia, com o seu rosto, mas desfigurado e coberto de cortes profundos. Quando gritou, a própria água borbulhou e nas bolhas provenientes da profundeza emergiu uma criatura de carne com bichos nojentos, com mil olhos a observá-la.
Algo frio, quase etéreo como seda, deslizou sobre a sua pele, prendendo-a com correntes ocultas, enquanto os seus pés pareciam colados a uma tela invisível. O chão começou a ceder, arrastando-a para um abismo.
De repente, o som de um pêndulo a balançar soou, cada vez mais rápido. O tempo esgotava-se. Um cheiro enjoativo de alfazema invadiu-lhe os sentidos. O templo começava a desmoronar-se ao seu redor, as pedras tingidas de sangue a cair como a sentença final de um pesadelo sem escapatória.
Tudo ficou escuro. Apenas o som de um riso cruel e distante permaneceu, ecoando num vazio, enquanto a Lara desaparecia para sempre entre o véu do real e do sobrenatural.
#laritacaramela
As palavras do spooktober2024 (1-Flor, 2-Almofada, 3-Prado, 4-Arco-íris, 5-Beijo, 6-Mar, 7-Céu, 8-Templo, 9-Fotografia, 10-Concha, 11-Anel, 12-Caixa de Música, 13-Pergaminho, 14-Vela, 15-Pincel, 16-Algodão, 17-Coro, 18-Orvalho, 19-Jardim, 20-Harpa, 21-Nuvem, 22-Aurora, 23-Véu, 24-Coração, 25-Espuma, 26-Reflexo, 27-Bolha, 28-Seda, 29-Tela, 30-Pêndulo, 31-Alfazema)
Agarrei em duas palavras por semana e escrevi uma frase para cada um. E no dia do Halloween, a surpresa...
"A seda desliza suavemente por entre os dedos, como um sussurro de fibras elegantes que transforma em um tecido da alta nobreza."
"O pêndulo balança a um ritmo hipnotizante, marcando o tempo como uma recordação de que cada momento que é precioso e único."