Do livro “escrita em dia”. O tema será: “adega escura, tira as luvas de pele das mãos e demora a adaptar a escuridão.” , utilizando um ou vários sentimentos: assustada, feliz, ansiosa, prepara armadilha, alegre, adormecida. Mini-conto de 300 palavras. Personagem pode ser homem ou mulher.
Desci à adega em silêncio,
onde o ar carregado de uvas e terra
repousa nos ombros como um peso antigo.
Tirei as luvas de pele,
dedo a dedo,
e o toque do frio ergueu um arrepio.
Na escuridão profunda,
onde o tempo não tem pressa,
esperei que os olhos se acostumassem
à meia-luz que tudo envolve,
os contornos surgem devagar,
um mundo entre as sombras e os silêncios.
Cada passo, um eco abafado,
as garrafas alinhadas, os barris vigilantes,
um local de encontros e segredos.
Em algum lugar, sinto uma presença,
um sussurro que me prende,
e algo adormecido se desperta.
Estou ansiosa, as mãos sem luvas tremem,
o coração acelera entre o pó e o silêncio,
onde a respiração soa como o único som.
Cada barril é um muro,
cada sombra, uma promessa,
cada passo, uma vertigem.
Sigo adiante, onde a penumbra era mais densa,
e sinto o cheiro do vinho,
da madeira e de algo mais profundo
um mistério latente, uma espera que ecoa.
Num canto, vejo uma sombra,
um contorno que emerge do escuro.
O som de uma respiração,
um calor que toca no ar.
Sinto a presença, firme e silenciosa,
sem precisar de luz para reconhecê-la.
E ali, no escuro da adega,
onde os sons são ecos,
ficamos assim, lado a lado,
à espera que a escuridão nos revele
não o rosto, não o nome,
mas a promessa suspensa
entre o toque e o silêncio,
entre o frio do vinho
e o calor da noite.
Na calma, a luz não faz falta;
a noite e a sombra selam o que é nosso,
eterno, como a escuridão.